02/07/20

Transcrição Ceará Sonoro #115 – Nazirê

Carolina Areal – Eu já vou começar te agradecendo, Ranny, por você topar este convite, conversar com a gente. Já faz muito tempo que a gente quer trazer Nazirê para o Ceará Sonoro e, finalmente, deu certo. Muito obrigada! O meu primeiro contato, Ranny, com a Nazirê foi com o videoclipe oficial de “Acorda pra vida”, publicado em março de 2015, se não me engano, e que conta, atualmente com mais de 5 milhões de visualizações. Em janeiro de 2015, um pouco tempo antes deste videoclipe oficial, vocês tiveram um vídeo caseiro que acabou viralizando no Facebook, na página SomJah. Esse vídeo caseiro está até hoje lá na plataforma e já atingiu 12 milhões de visualizações, sendo curtido, comentado e compartilhado até hoje. Como o vídeo acabou chegando até essa página e acabou viralizando? A gente poderia dizer que essa música é a responsável pelo grande impulso na carreira de vocês, já que a banda existe desde 2013?

Ranny Ramos – Olá, também estou muito feliz de estar participando desta entrevista massa. Bom, esse vídeo… Aconteceram tantas coisas antes deste vídeo ser postado. Praticamente, a banda estava acabada. (Risos) Eu estava fazendo planos de viajar, tinha saído da banda, queria fazer outras coisas. A Jéssica tinha acabado de ganhar neném, estava um pouco afastada também e tinha ficado só a Jordânia. Daí ela ficou naquela: “meu Deus, e agora? vou ficar só”. (Risos) Desesperada. (Risos) Daí ela compôs essa música, “Acorda pra vida” na virada de ano. A gente sempre conversava mesmo afastadas, eu já tinha saído. E a gente conversava pelo whats [WhatsApp] sobre várias coisas e ela comentou com a gente sobre essa música: “ei, galera, fiz uma música e eu queria mostrar pra vocês”. “Ai, massa então. Vamos combinar pra gente se encontrar”. Toda vez que a gente fala nesse assunto pra outras pessoas, eu sempre falo que esse dia tinha que acontecer, sabe?! Tem aquela coisa da energia, né?! E eu sempre falo que esse dia tinha que acontecer e que a gente tinha que se encontrar. Daí ela mostrou a música, a gente gostou e (risos) eu falei “vamos fazer um vídeo cantando essa música”. Aí ela ficou: “ah, mas será que vai dar certo?”. Porque estava todo mundo afastado e estava um clima meio chato, estranho e tal. Ela falou: “eu vou postar no meu perfil pessoal”. Beleza. Postou no perfil e foi pra casa. Deixou o Facebook dela aberto com a Jéssica e foi pra casa. Só esse tempinho que ela chegou em casa já tinha várias visualizações e todo mundo ficou, assim, sem acreditar e feliz ao mesmo tempo. A página SomJah repostou o vídeo e gerou mais visualizações tanto na nossa página no insta [Instagram] quanto na página do Facebook. As pessoas começaram a procurar e, então, mudou sim, muito. A gente passou um tempo pra cair a ficha. Demorou um pouco mas foi muito gratificante pra gente. E “Acorda pra vida”, até hoje, é uma das músicas que as pessoas mais pedem nos shows, que as pessoas sempre chegam com mensagens pelo nosso Instagram ou pessoalmente também quando encontram a gente na rua ou no show quando vai fazer foto. As pessoas sempre falam dela como uma música que tá sempre ali ajudando em alguma coisa e a gente fica muito feliz com isso. As pessoas contam suas histórias e histórias, até assim, de superação também. E é muito massa ouvir isso da galera. Depois que o vídeo viralizou a gente recebeu muitas mensagens de vários lugares do país. Brasileiros que estavam morando em outros lugares chegavam falando “ai, eu recebi esse vídeo de uma pessoa daqui e eu fiquei muito feliz! Parabéns!”. Essas mensagens sempre nos motivam a continuar, a sempre está compondo, escrevendo as nossas mensagens pra que toquem as pessoas també,. Isso é muito bom!

Carolina Areal – Eu fico imaginando, Ranny, o susto que vocês tomaram com toda essa proporção porque, pesquisando mais sobre vocês, eu vi que o clipe oficial de “Acorda pra vida” foi transmitido até na TV aberta da Etiópia. Do Cariri pro mundo, né?! E pra galera que está acompanhando este podcast, a Nazirê é formada pela Ranny que está conversando comigo, Jordânia e Jéssica. Só que Jordânia me confidenciou, Ranny, que cada uma mora numa cidade (risos) diferente na região do Cariri. E eu fiquei pensando como é que é o processo de produção e de criação do grupo já que vocês moram em casas, moram em cidades diferentes. Como é que vocês fazem pra se encontrar, pra produzir e pra poder compor também?

Ranny Ramos – Pois é, essa distância atrapalha um pouco principalmente agora com tudo isso que está acontecendo [pandemia do novo coronavírus], mas a gente sempre dá um jeito, dentro das nossas condições. Sempre compõe alguma coisa. A gente tem um grupo, né, das três, e quando alguma compõe alguma coisa, “ah, eu fiz esse trecho (risos), vê se tu termina, vê se dá pra fazer alguma coisa”. Porque, assim, a gente… não é que toca, mas a gente tenta arranhar um pouco o violão (risos), eu e a Jordânia. A Jéssica já não toca. Digamos que facilita um pouco na hora de compor, mas é muito massa essa troca que  a gente tem. Antes de estar acontecendo tudo isso, a gente sempre marcava um dia na semana pra se encontrar, no final de semana ou, seria na minha casa ou na casa da Jéssica ou na Jordânia. Ou a gente marcava no estúdio pra mostrar alguma composição pra galera que toca com a gente. Aí dava tudo certo (risos).

Carolina Areal – Você comentou agora que arranha no violão, você e Jordânia, e eu já ia perguntar mesmo se vocês já trabalhavam com música antes de formar a Nazirê. Como é que era Jéssica, Ranny e Jordânia antes de Nazirê? Vocês desempenham e vivem, hoje em dia, da banda ou vocês também possuem outras funções, outros trabalhos paralelos ao projeto musical?

Ranny Ramos – Fora a Nazirê, eu tenho, sim, os meus projetos (risos) solo. A Jordânia também, a gente sempre compõe alguma coisa assim, a gente sempre comenta até: “eu fiz essa música, mas acho que ela não cai bem pra Nazirê. Acho que eu vou fazer alguma coisa com ela, coisa minha mesmo.” Eu canto, eu faço [apresentações em] barzinhos. Já participei de outros projetos com outras pessoas fora o reggae. A Jordânia também canta na noite. A Jéssica passou um tempo trabalhando como modelo também e eu acho que cada uma tem seus projetos separados. E a gente acha muito massa isso também porque você vai adquirindo mais experiência, conhecendo outras pessoas, outros trabalhos e ajuda bastante também. Mas a Jordânia também - eu não posso deixar de falar isso - a Jordânia (risos), antes dela entrar na Nazirê, nunca tinha cantado na vida, viu?! (Risos) A gente resolveu fazer um teste, né, porque no começo da banda ficou eu e a Jéssica: “não, eu queria que fossem três cantoras e que as três pudessem cantar sozinhas também”. E daí a Jéssica falou que conhecia uma menina, que ela tinha uma voz muito bonita. “Ah, então manda ela aparecer lá no estúdio, no dia que a gente for ensaiar”. A gente fez esse teste. Um teste (risos) que só tinha ela (risos). Enfim, ela passou, né?! Mas ela comentou que nunca tinha cantado na vida, cantava em casa, escrevia algumas coisas, mas participar de uma banda, ela nunca tinha participado. A Jéssica também, antes de entrar na Nazirê, nunca tinha cantado. Cantava em casa só, no banheiro. A única que já tinha participado de outras coisas era só eu mesma. Eu participei de outras bandas, já cheguei a montar também uma banda com outras mulheres, com vocal, mas não deu certo. Porque eu queria que fosse algo diferente, eu queria que fosse essa vibe da Nazirê, em que as três cantassem sozinhas, fizessem letras também, pudessem mostrar as suas composições e tudo. E eu acho que isso tudo fluiu quando as três se encontraram e a Jordania já tinha várias coisas escritas e já chegou mostrando e deu tudo certo.

Carolina Areal – Isso é tão curioso de saber, Ranny, porque quando a gente escuta Nazirê, existe uma harmonia tão incrível nas vozes de vocês, que a sensação que eu tinha era que vocês já eram da música há muito tempo, então é interessante saber dessa informação. E aí, em 2018, vocês lancaram o CD de vocês, A Vitória Vai Chegar. São onze faixas; dessas onze faixas, nove vocês que compuseram; e são faixas que falam muito de amor, de positividade, mas também de resistência, e eu fiquei curiosa pra saber a tua opinião sobre a importância do reggae como essa mensagem de crítica social e também quais são as principais influências da banda.

Ranny Ramos – Pois é, nós fizemos um financiamento coletivo; não atingimos a meta, infelizmente, e isso gerou um atraso em uns dois anos. Lançamos o CD pela Amostra Sesc Cariri de Cultura, foi produzido pelo nosso amigo João Afonso, do Doctor Studio, ele fez todo o processo. Enfim, foi maravilhoso trabalhar com ele, né. E assim, as nossas letras, a gente sempre tenta falar sobre um pouco de tudo, tudo isso que tá acontecendo hoje em dia no nosso... no mundo, né?! E tantas pessoas, tantas mulheres pretas que se sentem representadas também. Você falou sobre resistência, a Nazirê está sempre tentando falar sobre um pouco sobre esse assunto, a gente sempre tem que estar mostrando pras pessoas o que a gente pensa sobre isso. A importância também de termos formado esse... de ter definido esse formato também, assim, das três, foi muito bom pra gente entender a representatividade, sabe? É muito importante, porque a gente via várias crianças e mulheres assistindo os nossos shows e principalmente mulheres pretas, assim, elas se sentiam... elas se identificavam, sabe? Se sentiam muito representadas.

Carolina Areal – Ó, eu fiquei curiosa pra saber quais são essas mulheres, quais são essas bandas, se você puder citar três delas, por exemplo, que mais têm influenciado a Nazirê nos últimos tempos, já é uma boa até pra eu poder anotar na minha playlist, procurar nas minhas plataformas, e também pra galera acabar conhecendo mais gente legal no reggae.

Ranny Ramos – Ai, a música boa a gente sempre tem que compartilhar, adoro (risos). Então, acho que ultimamente a gente tá ouvindo bastante, procurando ouvir bastante mulheres, né. Não só no reggae, como em outros estilos também que a gente curte no nosso dia a dia. Eu gosto muito da Hollie Cook, uma cantora britânica, acho que ela... acho que o trabalho dela tem tudo a ver com o que a gente pensa, com o que a gente quer pegar um pouco ali, encaixar um pouco na Nazirê também, nos nossos próximos projetos. Mas também tem Marina Peralta... outro banda que eu curto muito também é Morcheeba, e o vocal é feminino, maravilhosa. Céu, Anelis Assumpção. Então, assim, são várias, né?! (risos) Se eu fosse falar de todas aqui, a gente ia passar a tarde falando de várias mulheres maravilhosas que eu gostaria de compartilhar.

Carolina Areal – Total, Ranny (risos). Você tem razão. Acho que a gente vai passar dias e dias aqui falando sobre os artistas e eu acho que a gente não chega nem na metade da lista. Mas foi uma boa você ter comentado sobre essas mulheres na música de uma maneira geral, porque eu tava olhando a publicação lá, o Instagram de vocês, e eu vi uma publicação do dia 16 de abril em que vocês meio que promovem uma reflexão pros seguidores, né, de quantas mulheres você [os seguidores] conhece no reggae nacional. E isso me fez pensar sobre como é ser mulher no reggae, qual é a realidade da Nazirê, o quê que vocês percebem pelas andanças e pelos trabalhos que vocês têm realizado também com outros artistas, esse cenário da mulher no reggae?

Ranny Ramos – Olha, logo no começo, né, nós tivemos bastante dificuldade, assim, trabalhar com alguns músicos, por não poder opinar, por não poder dizer "ah, eu queria que essa música fosse assim, eu queria que ela ficasse assim". Então, assim, a gente teve bastante dificuldade. Depois de um certo tempo, a gente veio querendo trabalhar de uma forma diferente, sabe? Não temos uma banda fixa, que fica muito mais fácil pra gente trabalhar nessa maneira por facilitar nossa circulação por outros lugares, mas que também tem um lado negativo, né, de não criarmos vínculos profissionais com os nossos colegas de banda no processo criativo das músicas. Mas de um certo tempo pra cá, quando a gente realmente achou melhor trabalhar assim as três, sem ter que ter músicos fixos e [dessa] forma trabalhar com músicos contratados, a gente achou bem melhor, porque a gente pôde conhecer outras pessoas, outros músicos de fora. Tanto aí em Fortaleza também, que a gente conheceu o Cláudio Mendes, que é um produtor musical maravilhoso, que deu muita força. Outras mulheres também daí de Fortaleza que a gente admira muito o trabalho. Então, foi aquela coisa, né, juntou tudo, as ideias e parcerias também... a gente tem que estar sempre procurando conhecer, ter outras experiências, conhecer mais mulheres ainda no reggae e em outros estilos também. Só pra complementar um pouco aqui também essa questão de ser mulher no reggae, que também não é estar só mostrando seus talentos, suas letras. [É] mostrando que você é muito mais que isso. Mulher no reggae não é só cantar, é você representar um monte de outras mulheres, principalmente mulheres negras. E eu acho que também [é] alcançar novos voos, ser mulher no interior, você alcançar novos voos, porque até então as bandas daqui muito pouco viam mulheres como cantoras principais em bandas de reggae.

Carolina Areal – A gente tava até comentando, né, Ranny, no início, sobre o fato de vocês morarem em localidades diferentes, em cidades diferentes. Uma em Brejo Santo, se eu não me engano, outra no Crato, outra em Juazeiro… você me corrige se eu tiver errado o nome das cidades. Mas vocês são artistas independentes e fazem acontecer o trabalho de vocês e circulam com esse trabalho por outras regiões, outras localidades. Além de Fortaleza, vocês já foram também pra outros estados, se eu não me engano Rio Grande do Norte é um desses estados. Quais são as principais dificuldades, sabe, Ranny, de fazer um trabalho independente circular e poder ser transmitido e ser levado pra outros públicos? Quais são as principais dificuldades que vocês encontram nesse cenário musical aqui do nosso Estado?

Ranny Ramos – Então, logo no começo nós tivemos bastante dificuldade de sair daqui do interior. Perdemos várias oportunidades de ir pra outros lugares mais distantes, até fora também, por conta da quantidade de pessoas que tinha na banda. E a gente tinha que conversar com a galera, alguns entendiam, outros não. Mas graças a Deus a gente hoje consegue trabalhar dessa forma, em que as três... somente as três, com músicos contratados. E sempre que a gente vai pra outra cidade, assim, a gente tenta entrar em contato ou com algum músico de lá, já pra facilitar e não ter que gastar tanto, ou então a gente leva só um músico daqui com a gente, que a gente já tem uma intimidade pra trabalhar. Pra gente, assim, também não ter uma banda fixa mesmo aqui, fica muito mais fácil pra gente trabalhar dessa forma, né, facilita muito a circulação pra outros lugares. Mas também tem um lado negativo, né. Da gente não criar vínculos profissionais com nossos colegas de banda, principalmente no processo criativo das músicas. Mas é um preço que a gente decidiu pagar e tem dado muito certo.

Carolina Areal – Ranny, a gente ainda está passando por um processo tão diferente com essa pandemia, mudou a rotina de todo mundo, eu imagino que vocês três devem estar loucas pra poder(em?) subir aos palcos, interagir com a galera, apresentar o trabalho de vocês. Quais são os planos da Nazirê quando tudo isso passar, quando a gente puder se aglomerar novamente? O que vocês pretendem fazer e mostrar pro público de vocês?

Ranny Ramos – Então, a gente vem adaptando os nossos shows em um formato virtual e que é interessante falar disso, porque na verdade foi através das plataformas digitais que a Nazirê ganhou visibilidade. Então, nesse momento, dentro das nossas condições financeiras, a gente fez algumas lives e vídeos, e a gente pretende fazer mais pra manter nosso canal também no YouTube ativo. Mas a saudade está muito grande dos palcos, a gente sempre fala sobre isso, sempre está postando alguma coisa no nosso Instagram também, fotos de alguns shows que já fizemos em vários lugares. E a gente tá tentando manter a calma, né, mas tá muito complicada a situação, e a gente entende, com saudade mas acreditando que tudo isso vai passar, se Deus quiser. A gente está planejando nossos próximos passos, mas não tem nada concreto ainda, por enquanto. (risos) Mas muita coisa boa, viu? (risos)

Carolina Areal – Inclusive o canal de vocês tem mais de 70 mil inscritos. É um número bem expressivo, uma galera massa que acompanha o trabalho de vocês, que reconhece também que o som de vocês é muito bom, Ranny. Então, a gente já vai chegando ao final desse nosso bate-papo, mas eu não poderia... como é que eu ia esquecer disso? Eu fiquei a semana toda aqui, martelando na cabeça, que eu ia fazer essa pergunta e já ia esquecendo no final. Sobre Nazirê! Sobre o nome Nazirê. Eu fiquei curiosa pra saber se existe algum significado, como é que vocês chegaram ao nome Nazirê pra formação desse trio.

Ranny Ramos – A Nazirê vem da palavra Nazireu, que significa "estar a serviço de Deus", se não me engano. Foi um pouco complicado pra colocar esse nome, porque Nazirê não tinha significado, então a gente meio que encaixou de acordo com as nossas composições que falam muito de Jah, de fé, de paz. Enfim... A gente decidiu colocar Nazirê até pra ficar um pouco mais feminino.

Carolina Areal – E deu super certo. (risos) Ranny, eu agradeço demais por você ter tirado um tempinho nesse momento louco que a gente tá passando, poder conversar com a gente aqui da Rádio Universitária FM. Então, muito muito obrigada! Foi massa!

Ranny Ramos – Ai, muito obrigada também! Agradeço demais a paciência. adorei a conversa, apesar de ter (risos) gaguejado um pouco. (risos) Enfim, essa sou eu. Que tudo isso passe logo e a gente possa se encontrar um dia, se aglomerar e se abraçar, e fazer novamente mais uma entrevista, todo mundo junto, né. E é isso. Beijão!

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