10/07/20

Transcrição Universitária Entrevista #51 – Mirian Parente Monteiro

Fabrício Girão: Eu converso agora com a Professora Miriam Parente, que é professora do departamento de Farmácia da UFC e coordenadora do GPUIM, o Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos. Professora, seja muito bem vinda. Muito obrigado por estar aqui no Universitária Entrevista. Eu começo perguntando pra senhora, fazendo uma pequena contextualização. O GPUIM está completando 30 anos este ano. Ele foi criado em 1990. E eu queria que a senhora falasse um pouco sobre a criação dele, como foi que ele surgiu, qual era o contexto social da época e como foi que isso influenciou a criação do grupo.

Mirian Parente Monteiro: O GPUIM agradece a oportunidade de, nessa comemoração de 30 anos, nós termos esse espaço para, primeiro, rememorar um pouco a história da criação do grupo e, depois, falarmos um pouco sobre o que temos feito nos últimos anos. Então, a criação do GPUIM aconteceu por iniciativa de um grupo de alunos do Curso de Farmácia que procuro então, na época, a Professora Helena Lutércia. Hoje a Professora Helena está aposentada. E procuraram a Professora Helena devido ao conhecimento que estava acontecendo em relação ao medicamento chamado Misoprostol. Misoprostol é usado para tratar úlceras de estômago, só que ele tem um efeito colateral: ele, usado por mulheres em idade fértil, pode ser abortivo. Na verdade, esse medicamento, na época, estava sendo usado com essa finalidade. Então, chegou ao conhecimento de alguns dos alunos do Curso de Farmácia que isso estava acontecendo, que as mulheres procuravam a farmácia para comprar o misoprostol e utilizar como abortivo. Essa era uma situação ilegal, sob vários aspectos: pelo aspecto da utilização inadequada do medicamento, primeiramente. E pelo aspecto do risco, da situação, da saúde pública, enfim. E, também esse medicamento, e isso foi comprovado depois que os estudos começaram a ser feitos, causava má formação genética na mulheres que usavam durante o início da gravidez e não conseguiam levar o aborto à sua perfeita conclusão. As mulheres permaneciam grávidas e as crianças nasciam com focomelia, aqueles bracinhos encurtados, como visto na Talidomida [nome de outro medicamento], e também com outras formações genéticas. Essa situação foi denunciada e a Professora Helena escreveu vários artigos. Juntamente ela, com alguns médicos ginecologistas da Maternidade Escola, desenvolveram alguns trabalhos, o que culminou com o controle efetivo da utilização desse medicamento. A partir disso, o grupo foi sendo fortalecido; foram surgindo financiamentos para pesquisa; foram sendo abertas portas para qualificação, não só da Professora Helena, mas de graduandos do Curso de Farmácia. O grupo foi se capacitando cada vez mais, ganhando condições até, diria, estruturais para poder desenvolver novos trabalhos e foi ganhando repercussão nacional e também internacional. Desde então, nós trabalhamos nessa linha de fazermos uma divulgação adequada, bem avaliada, relacionada com as informações que acompanham o uso dos medicamentos para que a população possa fazer um uso adequado e seguro desses.

Fabrício Girão: Professora, além dessa clara importância imediata que a senhora estava falando naquele momento em que o grupo surge, para combater esse problema da automedicação, quais foram as principais contribuições do GPUIM ao longo desse 30 anos?

Mirian Parente Monteiro: A partir desse problema que foi identificado com o misoprostol, começou-se a se trabalhar na linha da informação segura sobre medicamentos. Um dos graduandos em Farmácia, que tinha participado desses primeiros momentos de criação do grupo, foi se capacitar no Instituto Mario Negri, de Milão, na Itália, para criar o nosso Centro de Informação sobre Medicamentos. O Instituto Mario Negri possui um respaldo e uma confiabilidade internacional nessa área de informação sobre medicamentos. Então, nosso colega hoje docente do Curso de Farmácia, Professor Cléber Domingos, para Itália para se capacitar na formação do Centro de Informação sobre Medicamentos e, quando voltou, criou esse outro projeto de extensão nosso, que é o Centro de Informação sobre Medicamentos, que continuamente trabalha na produção de material informativo de qualidade para orientar as pessoas para um uso seguro e adequado de medicamentos. Além disso, produzimos também muito informes técnicos, boletins informativos. Tiramos dúvidas da população sobre como utilizar adequadamente os medicamentos. Há muito tempo trabalhamos nessa linha. Outro colega, que, na época da criação do GPUIM, também era graduando e hoje é docente do Curso de Farmácia, Professor Paulo Sérgio Dourado Arrais, foi para Barcelona fazer uma pós-graduação no Instituto Catalão de Farmacologia Clínica da Universidade Autônoma de Barcelona e especializou-se em Farmacovigilância, que é outra área importante, pois avalia os possíveis efeitos adversos relacionados aos medicamentos e sua utilização. Quando o Professor Paulo Sérgio voltou, ele criou o nosso Centro de Farmacovigilância do Ceará, que é outro projeto de extensão e que vem trabalhando nessa área. Inicialmente tivemos a oportunidade de trabalhar com vários hospitais na busca ativa de reações adversas [aos medicamentos]. Busca ativa porque os alunos bolsistas iam aos hospitais para averiguar se os pacientes em tratamento manifestavam e relatavam a ocorrência de possíveis efeitos adversos provocados por medicamentos. Depois não foi mais possível por vários motivos, que não vêm ao momento, e nós passamos a trabalhar com a produção de informes técnicos de farmacovigilância e desenvolvemos outros projetos também voltados para essa área. Além dos dois projetos que eu já comentei, o Centro de Informação sobre Medicamentos e o Centro de Farmacovigilância do Ceará, ao longo dos 30 anos foram surgindo outros projetos de extensão. Hoje contamos também com o Centro de Estudos Toxicológicos (CETOX). Contamos também com o Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica (CEATENF) e o Centro de Apoio à Assistência Farmacêutica, inicialmente com esse nome e hoje, foi desdobrado. Também faz parte do mesmo projeto o Grupo de Estudos em Saúde Mental. Os dois último são coordenados pela Professora Ana Paula Gondim. O CETOX é coordenado pela Professora Maria Augusta Drago Ferreira e o CEATENF, pela Professora Marta Fonteles, contando com a colaboração de outras professoras do nosso departamento. Cada projeto tem as suas peculiaridades. O CETOX dá um suporte muito importante ao CEATOX, que é o Centro de Atendimento às Intoxicações, que funciona no Instituto Dr. José Frota (IJF). O suporte de informação para os casos de intoxicações é um trabalho de parceria com o nosso departamento de Farmácia através do CETOX. E o CEATOX serve também como um local de estágio para os nossos alunos. Esse estágio, também coordenado pela Professora Maria Augusta Drago Ferreira, tem levado a oportunidade aos nossos alunos de conhecerem o problema das intoxicações causadas por medicamentos, saneantes, animais peçonhentos. Então os alunos têm a oportunidade de conhecer essa área que é a toxicologia e que tem o seu atendimento de urgência provido pelo CEATOX. O Projeto CEATENF, coordenado pela Professora Marta Fonteles, dedica-se ao acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes. Professora Marta desenvolve atividades de acompanhamento de pacientes no posto de saúde Anastácio Magalhães, que fica próximo à nossa faculdade, e também na Farmácia Universitária. Os pacientes que são acompanhados conseguem, com o cuidado farmacêutico, obter um benefício maior de seus tratamentos medicamentosos, principalmente em relação à hipertensão e ao diabetes, que são doenças crônicas muito frequentes em nossa população. Esse cuidado farmacêutico proporciona ao paciente que ele consiga levar seus tratamentos de uma forma mais obediente, digamos assim, entendendo que quanto mais efetivo for esse tratamento, no tocante ao paciente fazer uma dieta, praticar exercícios físicos, tomar os medicamentos adequados em horários corretos, fazer seus exames periódicos, então esse acompanhamento é muito importante porque isso faz com que haja um controle mais real, mais palpável, tanto dos níveis pressóricos, quanto dos níveis glicêmicos, para pacientes hipertensos e diabéticos, respectivamente. Por fim, o Centro de Apoio à Assistência Farmacêutica, o CEAF, que hoje, na verdade, são dois projetos conjugados, coordenados pela Professora Ana Paula Gondim, tem trabalhado nas questões da assistência farmacêutica junto ao município e ao estado. Particularmente, ela tem visto a questão da medicalização infantil, que hoje é algo muito vigente, e ela tem feito esse projeto de acompanhamento das crianças em tratamento nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) infantis no intuito de minimizar os problemas decorrentes da utilização de psicofármacos na infância. Então ela tem trabalhado nessa vertente e tem colaborado com o trabalho dos profissionais dos CAPS infantis nessa temática da medicalização infantil.

Fabrício Girão: Professora, só por isso que a senhora falou dá pra ter uma dimensão das contribuições que o GPUIM trouxe para a sociedade e segue trazendo até hoje. Qual o impacto, nesses 30 anos do GPUIM, na formação dos estudantes. O que eles ganham ao participar de um grupo tão grande como o GPUIM?

Mirian Parente Monteiro: Primeiro coisa é que nós somos um local de estágio com várias multiplicidades diárias da farmácia, somos um vasto campo de estágio. Nós dizemos também aos nossos alunos que fazer parte do GPUIM é um aprendizado inigualável, porque o estudante que chega ao GPUIM recebe uma formação extra voltada muito para a pesquisa. Ele começa a tomar conhecimento dos métodos de pesquisa epidemiológicos, documental na área de medicamentos, senso crítico apurado em relação às publicações científicas, começa a ter um conhecimento de como fazer abordagem com os paciente que vão às unidades de saúde, além de questões da prática farmacêutica. São tantas áreas que podem ser cobertas pelos estudantes que passam pelos nossos projetos. Às vezes, os estudantes vivenciam mais de um projeto, então, essa liberdade que é dada ao estudante de conhecer tudo que a gente faz é muito enriquecedora para esse estudante. E, a gente sempre fala que ser um bolsista do GPUIM é um cartão de visita. O estudante que passa por lá sai um aluno diferenciado, um profissional com uma visão muito crítica, com uma formação que vai habilitá-lo a concorrer vagas de trabalho diferenciadas. Hoje, nós vemos em termo de cenário atual, vários alunos nossos que fazem parte do quadro da ANVISA e do Ministério da Saúde. São alunos que prestaram concurso e com a sua formação voltada para essas áreas de farmacovigilância, de centro de formação, assistência farmacêutica...alunos que tiveram esse plus a mais que os capacitou a conseguir se destacar em oportunidades de trabalho bem diferenciadas.

Fabrício Girão: Mudando um pouco de assunto e voltando para o assunto que a senhora trouxe na primeira pergunta sobre automedicação. A gente trouxe um dado do Conselho Federal de Farmácia que fala justamente sobre automedicação. Essa pesquisa mostra que nos últimos 6 meses a automedicação foi comum a 77% dos brasileiros, 47% se medicam uma vez no mês e 25% ou todo dia ou uma vez por semana. Sendo professora do departamento de farmácia da UFC e coordenadora do GPUIM que trata justamente do uso indevido dos medicamentos, quais os riscos da automedicação para a nossa saúde e por que isso é um problema?

Mirian Parente Monteiro: Essa pesquisa do Conselho Federal de Farmácia vem evidenciar um grande problema que nós lidamos diariamente com ele. A automedicação é, na maioria das vezes, extremamente prejudicial porque, quando a pessoa se automedica e é feita sem nenhum tipo de orientação, pode trazer inúmeros malefícios para  paciente. Então, o que a automedicação pode fazer? Ela pode atrasar um diagnóstico correto porque a pessoa fica usando medicamento por conta própria e vai retardando a resolução do problema de saúde e pode agravar sua condição de saúde. Outra coisa é a utilização de um medicamento totalmente inadequado para a questão. Isso não vai resolver e pode trazer outros problemas porque esse medicamento pode interagir com outros medicamentos que  a pessoa usa, agravar uma situação de saúde já existente. Então, o paciente piora por esse conjunto de situações. A automedicação pode mascarar também sintomas, esse mascaramento vai contribuir para a pessoa não evidencie seu problema de saúde atual. Ela é perigosa por vários aspectos e não é recomendado, mas é o que praticamos diariamente. Se você conversar com qualquer pessoa e perguntar se ela tomou medicamento nos últimos 15 dias, ela vai responder que sim. Pode ter sido uma vitamina, um analgésico ou ela pode estar fazendo uso de automedicação para tratar algo que ela considere banal. Automedicação é algo que tem que se ter muito cuidado, todo medicamento pode trazer problema, medicamento não é algo que se pode tomar e que se espere uma isenção completa de efeitos indesejáveis. Então, a maioria dos medicamentos devem ter uma segurança, não provocar efeitos adversos, principalmente porque foram desenvolvidos, passaram por ensaios clínicos que atestaram a sua segurança na população, mas sempre é possível que alguém com uma maior sensibilidade a substância possa apresentar um efeito adverso. É preocupante a automedicação. O GPUIM trabalha muito com alerta para a população para que não façam uso indevido de medicamento, dessa forma, a gente espera uma redução da medicação ou uso mais consciente do medicamento.

Fabrício Girão: A gente está vivendo um processo de pandemia e além de lidar com essa doença nova, pouco conhecida, a gente tem que lidar com um mar de informações que vem de todos os lados, que oferece novos tratamentos, novas soluções, e que nem sempre essas informações são verdadeiras. Como o gpuim, e a comunidade farmacêutica como um todo, estão atuando para que haja um pouco mais de clareza dessas informações, para combater essas informações falsas?

Mirian Parente Monteiro: Nós podemos contribuir com informações confiáveis, obtidas de fontes idôneas, nós trabalhamos nesse sentido, procuramos as melhores fontes de informação reconhecidas no mundo inteiro. Dessa forma a gente produz informação para as pessoas se orientarem melhor nesse momento. A gente tem muita desinformação, aquela informação que é falsa , imprecisa e que confunde as pessoas, gera angustia, então nós trabalhamos no sentido de informar adequadamente para que elas possam se proteger, se orientar de quais as melhores medidas a serem tomadas nesse momento. Nós temos nossos sites, as pessoas podem obter informação de boa qualidade.

Fabrício Girão: Muito obrigada, professora!

Mirian Parente Monteiro: O GPUIM agracede o espaço dado da Rádio Universitária FM na ocasião dos nossos 30 anos de trabalho. E quem tiver interesse em conhecer mais é só acessar www.gpuim.ufc.br e lá encontrar uma mostra de tudo o que realizamos, nossas publicações, facebook, instagram. Agradeço a oportundiade em nome de todos que fazem o GPUIM.

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