23/08/18

Violência contra a mulher ainda é realidade no Brasil

Em 2017, o Brasil registrou 221.238 casos de violência doméstica. Só no estado do Ceará foram 5.644 vítimas, segundo dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Foto: Reprodução/Pixabay)

Foram 11 meses de abuso que a assistente social Bruna (N.F.)* passou com o ex-namorado. Desde o começo do relacionamento, o ex-companheiro demonstrava ser possessivo, não gostava que ela curtisse fotos de homens nas redes sociais e a proibia de usar determinadas roupas. Com o passar do tempo, as agressões verbais se transformaram em físicas. “Estudei gênero e violência doméstica. Na teoria, eu tinha conhecimento, mas na prática, eu me via perdida e envergonhada, acreditando que eu poderia ceder a alguns pedidos, como não usar roupa curta”, relata.

A assessora de comunicação Sarah (N.F.) foi casada durante 16 anos e teve dois filhos com o seu agressor. As violências físicas e psicológicas, durante todos esses anos, deixaram marcas na vida de Sarah. "Até hoje, quando lembro dos abusos, choro”, conta. Após anos separada, ela ainda possuía medo de carros parecidos com o que o ex-marido usava. “Passei muito tempo para me ver como gente, pois ele usualmente dizia que eu não era nada e que mulher igual a mim ele achava em qualquer esquina”, revela.

Entre idas e vindas no seu relacionamento, a jornalista Juliana (N.F.) decidiu perder a sua virgindade com o até então namorado. Quando chegou o momento, ela não quis continuar o ato, mas ele persistiu. “Para ele, estava tudo bem. Eu tinha 18 anos e ele tinha 20. Só fui entender que tinha sido abusada alguns anos depois”, conta.

Bruna, Sarah e Juliana são alguns exemplos de mulheres que sofreram algum tipo de violência. No caso de Bruna, ela denunciou o ex e está com medida protetiva. Já Sarah e Juliana não denunciaram por medo. “Me arrependo até hoje de não ter feito B.O contra ele”, explica Sarah.

Em agosto de 2018, a Lei Maria da Penha completou 12 anos. Essa lei surgiu com o objetivo de informar como as mulheres devem ser tratadas pela justiça para evitar que voltem a sofrer agressões ou sejam mortas. Além disso, a lei cria as medidas protetivas para manter a vítima longe do agressor e prevê uma rede de ajuda à mulher, desde aconselhamento jurídico a ajuda psicológica, que são concedidas em centros de acolhimento e abrigos.

Apesar do avanço na legislação, os números de casos de violência contra a mulher ainda assustam. No ano passado, o Brasil registrou 221.238 casos de violência doméstica. Só no estado do Ceará foram 5.644 vítimas, segundo dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O primeiro caso de violência doméstica a ser julgado na Comissão Interamericana de Direitos da Organização dos Estados Americanos foi o da Maria da Penha e condenou o Brasil por omissão, negligência e tolerância em relação a crimes contra os direitos humanos das mulheres. (Foto:Marcus Steinmeyer/Revista CLAUDIA )

O primeiro caso de violência doméstica a ser julgado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi o da Maria da Penha, que condenou o Brasil por omissão a crimes contra os direitos humanos das mulheres. (Foto:Marcus Steinmeyer/Revista CLAUDIA )

Feminicídio

Depois de demanda popular, foi sancionada no Brasil em 2015 a Lei do Feminicídio.  É considerado feminicídio quando a pessoa mata intencionalmente a outra (homicídio doloso) pelo fato de ela ser mulher, representando assim uma questão de gênero.

Enquanto homicídio simples prevê reclusão de 6 a 12 anos, o homicídio doloso prevê pena de 12 a 30 anos. Casos como latrocínio (roubo seguido de morte) e acidentes de trânsito, por exemplo, não estão incluídos na Lei do Feminicídio por não terem como motivação o gênero.

O feminicídio atingiu, em 2017, a marca de 812 casos no Brasil, porém esses números podem ser ainda maiores, já que alguns estados não informam os dados, dentre eles o Ceará.

A advogada e integrante do Fórum Cearense de Mulheres Rose Marques avalia que os movimentos feministas enxergam o feminicídio de forma diferente do estado. “Mesmo fora do contexto das relações de afeto, pode ser considerado [pelo o governo] homicídio comum, quando na verdade a violência de gênero é latente tanto na motivação do crime, quanto no modus operandi”, explica.

Políticas públicas

Orçamento para o programa Política para mulheres: promoção da autonomia e enfrentamento à violência está diminuindo desde 2014 (Gráfico: SigaBrasil)

Orçamento para o programa Política para Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência está diminuindo desde 2014 (Gráfico: SigaBrasil)

Desde 2014, os recursos destinados pelo governo federal para o programa Política para Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência vêm diminuindo. De janeiro a julho de 2018, foram destinados R$ 20,4 milhões para o programa. Enquanto, no mesmo período em 2014, haviam sido investidos R$ 95,3 milhões.

Por meio deste programa, o governo federal tem como objetivo ampliar a política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. Redes de atendimento como o Ligue 180, o atendimento presencial às mulheres em situação de violência e as políticas públicas de prevenção são alguns projetos dentro desse programa.

A promotora de justiça do Juizado de Violência Doméstica Roberta Coelho diz que punir não é suficiente. “A própria Lei Maria da Penha prevê políticas de prevenção à violência doméstica envolvendo órgãos governamentais e ONG's”, esclarece.

Denúncias

No primeiro semestre de 2018 foram registradas 79 mil denúncias de violência contra a mulher através do Ligue 180. A violência física e psicológica foram as agressões mais denunciadas. Para a advogada e integrante do Fórum Cearense de Mulheres Rose Marques, a denúncia é difícil de acontecer por conta do machismo da sociedade. “Normalmente é um passo solitário, pois nem sempre as mulheres contam com apoio de familiares e amigos”, afirma. Isso demonstra que o ditado "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ainda persiste na cultura do país.

A cada ano, o número de denúncias tem aumentado. O Ligue 180 recebeu, até julho deste ano, seis vezes mais registros do que no ano de 2006, quando a Lei Maria da Penha foi criada. Naquele ano, foram registradas 12 mil denúncias.

Atendimento à vítima

Além do Ligue 180, existem outras formas de denunciar ou buscar ajuda em casos de violência contra a mulher.  Os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e as Delegacias da Mulher são alguns dos equipamentos preparados para receber as vítimas. Confira abaixo os endereços:

Centros de Referência de Atendimento às Mulheres
É um equipamento que presta acolhimento, acompanhamento psicossocial e orientação jurídica às mulheres em situação de violência.

Endereço: Rua Padre Francisco Pinto, 363 – Benfica
Telefone: 08002850880

Casa da Mulher
Integra no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres.É o caso de acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público e Defensoria Pública. Além de promover a autonomia econômica e de fornecer cuidado das crianças, brinquedoteca, alojamento de passagem e central de transportes.

Endereço: Rua Teles de Sousa S/N - Couto Fernandes
Contato: (85) 3108 2998 / (85) 3108 2999

Reportagem de Mariane Silva com orientação de Carolina Areal

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