26/08/21

Sementes de Paulo Freire com Regina Coele

Esta é a quarta matéria da série especial da Rádio Universitária FM em homenagem ao centenário do educador Paulo Freire (Foto: Reprodução/Internet)

Regina Coele Fraga tem uma lembrança nítida do momento em que soube da existência de Paulo Freire. Era década de 1980, na sua primeira aula no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza. Ali está a gênese do seu encontro com a ideia da educação libertadora.

A oportunidade de alfabetizar pelo método Paulo Freire um grupo de jovens da Favela da Fumaça, no Pici, deu novos sentidos àquela ideia, que tentava agora colocar em prática. A comunidade era acompanhada pelo movimento pastoral ligado à Teologia da Libertação, do qual Regina fazia parte como agente.

Ela era ainda estudante universitária, quando outra vivência lhe marcou: as aulas de alfabetização de adultos de um projeto da Prefeitura de Fortaleza. Um dos professores
viria a ser seu marido. E ao acompanhá-lo, Regina lembra bem dos senhores de quase
90 anos de idade entre os alunos que começavam a aprender a ler.

"Isso também me impressionou. Eu ia às vezes assistir aulas com ele e ficava ali observando aquilo e lembrando da minha primeira experiência como agente
pastoral. E aí isso foi um ponto a mais na minha formação, né? Que foi algo acidental,
do meu cotidiano afetivo, e que me ajudou muito. Então, a partir daí foi quando eu
comecei a estudar mesmo Paulo Freire de forma mais livre."

Pedagogia do Oprimido foi seu livro de cabeceira. Junto com Pedagogia da Esperança,
Regina assegura que essas obras permitem que cada educador e educadora crie sua
própria perspectiva de trabalho. Naquele instante, a dela estava em construção. Em 1995, Regina Coele ingressou como professora na universidade que a formou. Foi trabalhar no campus da UECE em Crateús, dando aulas de Psicologia da Educação. A partir de 2005, muda para as áreas de Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, e passa a trabalhar diretamente com a teoria freireana. As disciplinas estão com ela até hoje.

"Eu posso dizer que em todas as disciplinas que eu trabalho eu trazia o referencial freireano. Não porque eu quisesse como escolha autoritária minha para os meus alunos, mas porque a maioria deles em Crateús são filhos de agricultores."

A partir daí os caminhos de Regina se ramificam em profundas experiências de educação popular no campo. Seu lugar na sala de aula e fora dela é ao lado de movimentos e organizações sociais que atuam no território dos Sertões de Crateús, como a EFA - Escola Família Agrícola Dom Fragoso; a Cáritas Diocesana de Crateús, em projetos de Educação Contextualizada; e iniciativas públicas como o ProJovem Campo - Saberes da Terra e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária junto ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra.

Mas é especialmente com as EFAs que ela decide dar continuidade ao seu percurso.
Sua tese de doutorado se deteve sobre a pedagogia da alternância na prática educativa da EFA Dom Fragoso. E este vínculo leva Regina em 2016 para o processo de criação da EFA Jaguaribana Zé Maria do Tomé, em Tabuleiro do Norte. O Vale do Jaguaribe é hoje seu lugar de vida, moradia e trabalho.

Na concepção da EFA, a educação se relaciona intimamente com a realidade e as necessidades de transformação que mobilizam o território. Num lugar dominado pelo agronegócio e que sofre com as consequências ambientais e sociais deste modelo agrícola, as comunidades do Vale apostaram na construção de uma escola para a alfabetização em agroecologia. Dezenas de técnicos e educadores voluntários dão vida a esta experiência de educação popular; assim como Regina, que integra a Coordenação Pedagógica da escola. Nas metodologias aplicadas, como o Círculo de Cultura, e na potência transformadora da educação que se faz na coletividade, ali ela encontra Paulo Freire.

"Ele é a semente do pensamento que eu carrego. Eu posso até ter transformado esse pensamento dele em algo meu, por me identificar muito com ele. Mas também por me identificar com a metodologia do Círculo. Esse Círculo consegue me movimentar, me mobilizar, até para que eu tenha cuidado com a minha memória e com as palavras que eu uso. Então ele me deu essa formação numa perspectiva de pensar a realidade a partir do que ele ensinou, a palavra como geradora do movimento de libertação."

Esta foi a quarta matéria da série especial da Rádio Universitária em homenagem ao centenário do educador Paulo Freire. Todos os sábados de julho, sempre às 16 horas, você vai poder se encontrar com trajetórias de vida semeadas pelo pensamento freireano.

Raquel Dantas para a Rádio Universitária FM.

Tags:, ,

Deixe uma resposta

*