27/08/18

O aborto enquanto questão de saúde pública

Os abortos inseguros são uma das principais causas de morte e incapacidade entre as mulheres em todo o mundo. Embora os dados sejam imprecisos, estima-se que todos os anos sejam praticados cerca de 20 milhões de abortos inseguros (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Nos últimos dias, o aborto voltou a ser discutido nas principais esferas sociais do Brasil. A decisão de manter a sua criminalização em votação recente no senado da Argentina e a discussão da ADPF 442, que pede a legalização e descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, no Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro movimentaram o debate e os seus questionamentos.

Estatísticas do Ministério da Saúde indicam que aconteceram, no período de 2008 a 2017, quase 1 milhão de procedimentos abortivos no país. Porém, esses dados podem não representar a realidade, pois os números de abortos tendem a ser maiores do que os estimados pelo órgão. A situação é considerada preocupante por movimentos sociais e defensores de direitos humanos, que cobram às instituições federais medidas que preservem, sobretudo, a vida das mulheres.

A saúde da mulher importa para quem?

O debate sobre a questão da legalização e descriminalização do aborto vai muito além de preservar a vida de quem está no ventre. Do ponto de vista médico, tornar o aborto legal pode se tornar uma prática de amparo a saúde de muitas mulheres que se sujeitam a procedimentos perigosos e com alto risco de vida.

Contudo, em um cenário em que o aborto for permitido, se faz necessário um sistema de saúde bem preparado. "Com a descriminalização, precisaria haver um enfrentamento da questão pela rede de saúde. Hoje em dia, o aborto é permitido em algumas situações. Entretanto, a rede pública de saúde não oferece o acolhimento necessário. Precisaria ser adaptado, precisaria ter profissionais adequados, suporte psicológico. Porque o aborto é um desgaste emocional, um desgaste físico para a mulher. Ele não é uma decisão simples de ser tomada, como às vezes cai no terreno da banalização da vida”, explica Kauhana Moreira, integrante do Fórum Cearense de Mulheres.

Integrantes de movimentos sociais e de direitos humanos defendem a descriminalização e legalização do aborto como saída para muito dos problemas da saúde pública (Foto: Reprodução/Internet

Em países em que o aborto é legalizado, a quantidade de procedimentos vêm declinando. Em Portugal, no ano de 2016, foram registrados 15.416 práticas abortivas, 14,4% a menos que em 2008, o primeiro ano da descriminalização no país (Foto: Reprodução/Internet)

Por outro lado, Fabiano Farias, coordenador do Movimento pela Vida (Movida) entende que qualquer prática do aborto no Brasil deveria ser encerrada. “A gente procura conscientizar de que o aborto não é solução. Ainda que em casos de estupro, anencefalia e de risco à mulher, entendemos que existem outros meios para que a vida, não só a do bebê, mas também a da mulher seja preservada. Nós entendemos que se o governo investisse na preservação da vida, em políticas públicas que valorizassem a vida da mulher, o cuidado com a gravidez, não teríamos toda essa incidência de casos de aborto", comenta Fabiano.

Já Kaelly Virginia Saraiva, enfermeira obstetra e professora do Curso de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), defende que é preciso parar de criminalizar a mulher que pratica o aborto. "Nos países onde o aborto é permitido, ele é menos praticado. Na Europa Ocidental, por exemplo, há uma incidência de 12 abortos para cada 1000 nascidos vivos. Já na América Latina, são 32 abortos para cada 1000 nascidos vivos. Então, está provado que quanto mais legalizado e descriminalizado, menos será praticado. Deixá-lo na clandestinidade não evita que a mulher o faça”, explica Kaelly.

O que a lei implica?

No âmbito jurídico, o aborto é tratado como crime desde o código penal de 1942. As penas variam de acordo com a participação no ato, sendo de 1 a 3 anos para a gestante que provocar ou consentir que outra pessoa o provoque; de 1 a 4 anos para quem provocá-lo em gestantes com seu consentimento e de 3 a 10 anos para quem o provocar em gestantes sem o seu consentimento.

Ao longo dos anos, movimentos sociais, partidos políticos e defensores de direitos fundamentais pressionaram o STF para que houvesse uma modificação na lei que proíbe o procedimento abortivo. Em 2012, a ADPF 54 (que permite o aborto em casos de estupro, risco de vida da gestante e anencefalia) foi votada à favor pelo STF, sendo a primeira abertura ao código penal vigente. Atualmente, está em discussão a ADPF 442, que prevê o aborto até a 12ª semana de gravidez.

Contudo, apesar de existirem debates no poder legislativo, uma alteração na lei ainda é considerada distante. Para Joyceane Menezes, advogada e professora do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), embora haja muitos argumentos em liberdade ao direito da mulher, ainda há uma leitura conservadora dessa temática. "O Congresso Nacional não aprovaria uma lei com essa proposta de descriminalização, principalmente com o reforço da decisão recente que a Argentina prolatou, rejeitando a descriminalização do aborto no país”, explica Joyceane.

A discussão ainda está longe de se encerrar

No cerne das questões que envolvem o aborto, alguns movimentos ecoam o discurso de que o aborto é um “crime contra a vida”. Fabiano Farias justifica que o aborto é um dos grandes males da sociedade. Segundo ele, “o Movida tem a sua posição em relação ao aborto radicalmente contrária em todos os seus estágios e instâncias, por entender que o aborto é o assassinato de inocentes que ainda estão no ventre”, ressalta.

Militantes "pró-vida" participando da "Marcha pela Vida" de 2017, em Fortaleza (Foto: Reprodução/Internet)

Militantes "pró-vida" participando da Marcha pela Vida de 2017, em Fortaleza. De acordo com o Ibope, 78% da população brasileira é contrária ao aborto (Foto: Reprodução/Internet)

No entanto, a professora de medicina Kaelly Virgínia Saraiva, entende que, do ponto de vista médico, o aborto não tem caráter criminoso. "O feto e o embrião são entidades, do ponto de vista biológico, que não são considerados seres humanos ainda. As pessoas consideram como uma vida do ponto de vista filosófico. Assim, até uma maçã é uma vida, uma flor é uma vida. Do ponto de vista biomédico, ou bioético, o feto e o embrião ainda não são seres humanos e nem entidades plenas de direitos, tanto quanto é a mulher", ressalta Kaelly.

Atualmente, a ADPF 442 está em discussão no STF e não tem previsão para ser julgada. Analistas políticos indicam que essa questão irá demorar a ser votada no Brasil e, provavelmente, enfrentará novos membros no tribunal federal e em outros poderes.

Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal. 

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