16/06/20

Exposição de crianças na mídia não é brincadeira

O trabalho infanto-juvenil artístico é permitido por meio de uma autorização judicial. Na foto, Maisa Silva, que trabalha na TV desde os três anos de idade (Foto: Divulgação/SBT)

Macaulay Culkin, Maisa Silva e Bruna Marquezine são exemplos de crianças que cresceram na frente das câmeras. Desde pequenos, fizeram novelas, filmes, propagandas e participaram de programas de TV. Hoje, as redes sociais e as plataformas online permitiram o surgimento de novas maneiras de explorar o encanto infanto-juvenil. Os jovens, agora, são youtubers, instagramers, tiktokers e influenciadores mirins.

Recentemente, a hashtag #SalveBelparaMeninas chegou aos assuntos mais comentados do Twitter, após internautas perceberem nos vídeos do canal Bel para Meninas um possível desconforto da garota ao gravar. Os usuários do Twitter acusaram a mãe de submeter a filha a gravações humilhantes para conseguir visualizações. A ocorrência gerou debate nas redes sociais sobre a exposição e exploração de crianças: a atuação de crianças e adolescentes na mídia configura trabalho infantil?

A Constituição Federal  e as Leis Trabalhistas (CLT) definem a idade mínima de 16 anos para o trabalho do menor empregado e 14 anos na condição de aprendiz. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina as condições para que o trabalho e o aprendizado possam ser exercidos. Os condicionantes determinados pelo ECA incluem o horário, a preservação da integridade física e emocional da criança, o acompanhamento de um profissional, o repouso e a compatibilidade com os horários de estudos.

O Brasil não possui nenhuma legislação que especifique ou regulamente o trabalho infanto-juvenil na Internet (Foto: dolgachov/Envato)

O Brasil não possui nenhuma legislação que especifique ou regulamente o trabalho infanto-juvenil na Internet (Foto: dolgachov/Envato)

O trabalho infanto-juvenil artístico é uma exceção. A participação de crianças e adolescentes em manifestações artísticas é permitida por meio de uma autorização judicial, desde que esteja de acordo com as Leis Trabalhistas e com a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).  A Convenção trata de estipular a idade mínima para a contratação dos jovens e de definir condições às admissões de crianças e adolescentes.

Ana Cristina Teixeira, Defensora Pública do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude do Ceará , explica que há condições para que o trabalho infantil artístico seja aprovado. “A autoridade judiciária deve observar os princípios da proteção integral e demais previstos na Constituição Federal e no ECA: a limitação com o número de horas de duração do emprego ou trabalho; as peculiaridades locais; a existência de instalações adequadas; o tipo de frequência habitual ao local; a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo”, enumera.

Os youtubers e instagramers mirins também precisam ter os seus direitos resguardados por lei. Porém não há, nas leis gerais brasileiras, uma especificação de uma regulamentação e fiscalização do espaço virtual. Segundo a Defensora Pública Ana Cristina Teixeira, apesar de não haver legislação específica sobre a participação de crianças e adolescentes em canais de YouTube, a Convenção 138 da OIT pode ser adotada pela similitude com a regulamentação dada às atividades artísticas e culturais, desde que a participação não configure exploração, veiculação inadequada de imagens e a violação da intimidade de crianças e adolescentes.

"Muita gente acredita que o trabalho infantil na mídia é uma brincadeira. Trabalho infantil artístico é trabalho", afirma Débora Diniz, cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo (Foto: Reprodução/iStock)

"Muita gente acredita que o trabalho infantil na mídia é uma brincadeira. Trabalho infantil artístico é trabalho", afirma Débora Diniz, cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo (Foto: Reprodução/iStock)

Débora Diniz, cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC), esclarece que o trabalho artístico infanto-juvenil, principalmente na Internet, muitas vezes é visto como uma brincadeira, o que dificulta a regulamentação e fiscalização dessas atividades. “Se um canal de YouTube lança vídeos com uma certa regularidade, tem um compromisso com a sua audiência, recebe presentes de empresas, tem uma agenda de compromissos, então isso já é um trabalho infantil artístico. Muita gente acredita que o trabalho infantil na mídia é uma brincadeira, e não é uma brincadeira. É um trabalho, e como todo trabalho tem que ter uma regulamentação, tem que ter cumprimento de lei, tem que ter vigilância. Brincadeira é o que a criança faz por própria natureza, no seu tempo livre, por si só sem nenhum estímulo externo, sem nenhum roteiro. Trabalho infantil artístico é trabalho”, afirma.

Coordenador do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Pedro Hartung se preocupa com a maneira como as plataformas digitais permitem o trabalho infantil artístico. Segundo ele, ainda há uma falha na inspeção e normatização da atividade artística infanto-juvenil na mídia. “Existe sim um problema de fiscalização e há uma importância em fortalecer os mecanismos de fiscalização, que é o próprio Ministério Público do Trabalho e também as varas de infância e juventude que são as responsáveis por conceder essa autorização judicial, responsável por analisar o conteúdo e uma série de elementos importantes da participação da criança nessa produção”, explica.

Reportagem de Danielle Gadelha com orientação de Síria Mapurunga e Igor Vieira.

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