17/10/18

Câncer de mama nas redes sociais

A psicóloga Maria Camila Moura tinha 26 anos quando descobriu a doença, em 2014. Durante seu tratamento, decidiu começar a pesquisar sobre mulheres que, assim como ela, compartilhavam sua rotina de tratamentos e informações sobre o câncer nas redes sociais (Foto: Arquivo Pessoal)

O mês de outubro é marcado pelo movimento mundial de conscientização sobre o câncer de mama, o Outubro Rosa, que teve as primeiras ações em 1997. Este é o tipo de câncer que mais atinge as mulheres no Brasil e no mundo, e a campanha tem como foco o compartilhamento de informações sobre a doença, como a importância dos exames preventivos e os tratamentos disponíveis.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a estimativa é de que surjam mais de 59 mil novos casos de câncer de mama no Brasil, por ano. Embora seja relativamente raro antes dos 35 anos, a partir desta idade as chances de aparecimento da doença só aumentam, especialmente após os 50 anos. Mas como as mulheres diagnosticadas lidam com a doença?

O câncer nas redes sociais

Compartilhar sua rotina e experiências nas redes sociais é algo que faz parte da vida de muitas pessoas, e algumas mulheres têm utilizado essas plataformas como uma nova forma de se relacionar com a doença. Esse comportamento chamou a atenção do Laboratório de Psicologia em Subjetividade e Sociedade (Lapsus) da UFC, que deu início a uma pesquisa sobre o tema.

Muitas pacientes afirmam que a autoestima é uma peça fundamental para superar o câncer. Na foto, a psicóloga Maria Camila durante exame (Foto: Arquivo Pessoal)

A psicóloga Maria Camila Moura, uma das idealizadoras da pesquisa, que a utilizou como tese de mestrado, afirma que a experiência com o câncer de mama atinge vários outros fatores além da saúde. “O câncer de mama é algo que afeta dois pontos da feminilidade da mulher, os seios e o cabelo, que são o símbolo da nossa feminilidade na sociedade atual, então a autoestima da mulher é muito prejudicada. E na pesquisa, a gente viu como a mulher demonstra essa autoestima ao compartilhar (sua rotina, seus cuidados) nas redes sociais”, afirma.

A psicóloga relata o surgimento de novos discursos nesse ambiente virtual, onde as mulheres procuram transformar a maneira de se relacionar com o corpo e lidar com a doença. “Há alguns anos era impensável a pessoa mostrar a sua careca ou mostrar que estava com câncer e, a partir da pesquisa, a gente foi vendo surgir o movimento de uma nova história, uma nova configuração do adoecer de câncer de mama, em que as mulheres falam que a beleza vai além do cabelo, por exemplo”, explica Maria Camila.

A própria Maria Camila é um exemplo de sua pesquisa. Hoje já curada, a psicóloga foi diagnosticada com câncer de mama em 2014, aos 26 anos, e decidiu compartilhar no Instagram para “evitar inconvenientes”, ao ter que explicar a situação pela qual estava passando sempre que encontrasse os conhecidos pessoalmente.

No entanto, sua ação acabou alcançando proporções bem maiores. “Eu acabei tendo um feedback muito positivo de outras mulheres que também estavam com câncer, a gente começou a ‘trocar figurinhas’, muitas pessoas começaram a me seguir, então tomou um rumo que eu nem esperava”, relata a psicóloga.

Essa troca de informações, inclusive, é uma das principais características e motivações para que as pessoas passem a compartilhar suas experiências nas redes sociais, como é o caso da administradora Renata Fontenele. “As pessoas vinham até mim para pedir indicações de médicos, pedir informações, formas de diminuir os efeitos colaterais da quimioterapia. Eram coisas que quem já estava fazendo o tratamento há mais tempo sabia, devido às consultas com os médicos, e eu podia passar pra elas, então acabei ajudando várias pessoas”, conta.

Renata Fontenele durante uma das sessões de quimioterapia, utilizando a touca térmica, ferramente que tem o objetivo de diminuir queda de cabelos em virtude da quimioterapia (Foto: Arquivo Pessoal)

Renata Fontenele durante uma das sessões de quimioterapia, utilizando a touca térmica, ferramenta que tem o objetivo de diminuir queda de cabelos em virtude da quimioterapia (Foto: Arquivo Pessoal)

Renata foi diagnosticada com câncer em junho de 2017, aos 34 anos. A administradora terminou o tratamento em abril de 2018. Ela afirma que a principal razão para compartilhar sobre a doença nas redes sociais foi o desejo de alertar as pessoas sobre o câncer, a importância do autoexame, por exemplo, que foi o que a levou à descoberta da doença. “Nos dias de hoje o câncer de mama é muito comum. No meu caso, foi devido ao fator hereditário, mas a gente sabe que pode ocorrer com qualquer um. As pessoas às vezes acham que nunca vai acontecer com elas, mas tem que se cuidar, porque da mesma forma que aconteceu comigo, pode acontecer com os outros”, alerta.

Outro ponto sobre a trajetória de Renata foi a sua postura em relação à aparência durante o tratamento, ao não utilizar as perucas para esconder a perda dos cabelos. A administradora afirma que associava as perucas a algo negativo e isso teve origem ainda na infância, devido ao tratamento de sua mãe, que também teve câncer de mama.

Motivada pelo desejo de não fazer uso das perucas, ela passou a procurar lenços, mas teve dificuldade em encontrá-los em Fortaleza. Devido a isso, a administradora desenvolveu um projeto com lojas parceiras, que confeccionam e estampam lenços. O valor obtido com a venda dos itens, no mês de outubro, será doado para instituições de apoio a pessoas com câncer, que são a Associação Nossa Casa, o Instituto do Câncer do Ceará e o Instituto Peter Pan.

Pontos Negativos

Apesar de toda a informação e o apoio transmitido pelas redes sociais, por quem está passando por estas situações, nem todos os aspectos de compartilhar suas experiências na Internet são positivos. Na pesquisa realizada pelo Lapsus, que analisou 10 contas no Instagram de mulheres com câncer de mama, foram identificados alguns pontos muito presentes em suas postagens, que poderiam refletir negativamente no processo pelo qual estavam passando.

Um destes aspectos diz respeito ao comportamento e a postura assumida pelas mulheres aos compartilhar suas histórias. Segundo Maria Camila, elas acabam adotando uma postura de “guerreira” diante da doença, dispostas a enfrentar as dificuldades, sempre felizes, agindo de acordo com o “imperativo da felicidade” presente nas redes sociais.

Na imagem, Renata usa um dos lenços confeccionados para a campanha do Outubro Rosa (Foto: Arquivo Pessoal)

Na imagem, Renata Fontenele usa um dos lenços confeccionados para a campanha do Outubro Rosa (Foto: Arquivo Pessoal)

Para a psicóloga, essa postura pode ser prejudicial. “Antigamente, o câncer era muito estigmatizado porque já se pensava em morte. Hoje em dia não há mais esse discurso, porém há um discurso na outra extremidade, que é ‘eu sou forte e vou vencer’, onde a pessoa quer ser forte o tempo todo. Então, tanto o discurso do câncer como pena de morte quanto esse de que ‘eu vou vencer’ são polarizados. A gente tem mais é que ir pro caminho do meio, saber que é uma doença grave, mas que tem tratamento quando diagnosticada cedo e que tem seus malefícios, mas que pode ser vivida de uma maneira mais leve do que a gente achava antes”, alerta Maria Camila.

Outro ponto que pode ser considerado negativo é a cobrança pela beleza e feminilidade durante o tratamento, que a psicóloga afirma ser fruto da heteronormatividade. “Mulheres com câncer muitas vezes, pelo que a gente constatou na pesquisa, acabam se associando sempre à cor rosa, à emojis mais infantilizados, é o que a gente chama de positividade pink, que é um denominador comum nas mulheres com câncer que compartilham seus adoecimentos no Instagram”, explica Maria Camila.

No entanto, a psicóloga também afirma que cada mulher lida com sua situação de uma determinada maneira e assimila as coisas de forma diferente. “Há pontos positivos, há pontos negativos. Mas quem vai decidir se é positivo ou negativo é a própria mulher adoecida com câncer após fazer esse balanço”, pondera.

O trabalho feito pelo Lapsus foi utilizado como tese de mestrado de Maria Camila, que está em fase de adaptação para livro. No entanto, para quem estiver interessado em ter acesso à pesquisa, ela está disponível no Repositório da UFC.

Reportagem feita por Maryana Lopes com orientação de Carolina Areal

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