27/08/19

Precisamos falar sobre abandono animal

Segundo a Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal de Fortaleza, 132 mil cães e gatos são vítimas de maus-tratos na capital cearense (Foto: AlxeyPnferov/iStockphoto)

O abandono de animais é uma realidade no Brasil. Mais de 170 mil bichinhos foram abandonados em Organizações Não-governamentais (ONGs), segundo levantamento do Instituto Pet Brasil realizado em 2018. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães estão em situação de rua no país. A Lei nº 9605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, considera o abandono animal um ato de mau-trato. O responsável pode cumprir pena de detenção de três meses a um ano, além de pagar multa.

Em Fortaleza, 132 mil cães e gatos que estão nas ruas ou, mesmo com tutores, são vítimas de maus-tratos, segundo dados da Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal (COEPA). Com isso, algumas medidas foram tomadas pela entidade como a realização de visitas em escolas para conscientização de crianças e adolescentes. Além disso, desde o ano passado, o VetMóvel, um equipamento itinerante, realiza castrações e consultas gratuitas para pets com tutores baixa renda. A coordenadora da COEPA e idealizadora do VetMóvel, Toinha Rocha, fala da importância dessas ações para a cidade:

"Nós já conseguimos visitar várias escolas, tanto públicas quanto privadas, com distribuição de material didático e lúdico, com teatro, atividades de pintura, adoções de animais  junto a ONGs e abrigos, mas também colocamos na rua o VetMóvel. O primeiro VetMóvel de Fortaleza já realizou quase 5 mil castrações. Cada vez que se  castra um gato ou gata, nós estamos tirando da rua outros animais que possivelmente seriam abandonados".

Espaços públicos onde protetores de animais atuam são os principais pontos de abandono (Foto: Getty Images/iStockphoto)

Espaços públicos onde protetores de animais atuam são os principais pontos de abandono (Foto: Getty Images/iStockphoto)

Espaços públicos onde protetores de animais atuam são os principais pontos de abandono. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), por exemplo, essa situação é uma realidade. Por isso, alguns grupos dão assistência aos animais abandonados que vivem nesse ambiente. No Campus do Benfica, quem atua na proteção aos animais é o grupo União Felina, um projeto iniciado em 2014 por servidores que já apoiavam a causa.

De lá pra cá, o grupo aumentou e conta hoje com a ajuda também de estudantes. As ações costumam acontecer no Centro de Humanidades. Dentre as principais atividades estão a castração, lar temporário em casos de pós-operatório até que o animal seja adotado e alimentação dos felinos que moram no centro acadêmico. Aline Freitas é servidora técnico-administrativa da UFC e uma das integrantes do União Felina. Ela conta as dificuldades de conseguir doações e lar para os bichinhos:

"As pessoas querem aquele filhote, daquela cor e daquele gênero. Não é fácil encontrar adoção, principalmente para gato adulto. Então, infelizmente, a gente não tem um grande número de adoções. Geralmente, nós recebemos mais doações financeiras. Tem gente que não gosta de doar dinheiro, mas com o dinheiro é mais fácil lidar porque eu sei a minha necessidade. Por exemplo, acabei de comprar um saco de 25 kg de ração e a pessoa vem doar ração e ela acaba ficando velha quando, na verdade, eu estou precisando de outra coisa, como comprar uma medicação".

A Lei de Crimes Ambientais considera o abandono animal um ato de mau-trato (Foto: Stopboxstudio/iStock)

A Lei de Crimes Ambientais considera o abandono animal um ato de mau-trato (Foto: Stopboxstudio/iStock)

O projeto Animais UFC costuma fazer ações no Campus do Pici, onde se encontra o maior número de abandonos na Universidade, chegando a mais de 300 animais. A estudante de Zootecnia Taíse Praxedes explica as motivações do projeto:

"A gente teve a ideia de criar um [perfil] no Instagram para divulgar esses animais. Inicialmente, começou comigo e mais três amigas. O intuito era só bater foto dos animais aqui do campus, divulgar e ir atrás de adoção, mas, com o decorrer do tempo, a gente começou a achar casos graves e começamos a realizar resgastes. Daí fomos conseguindo mais voluntários para agregar ao grupo. Aí fomos fazendo castrações, tratamentos, internações etc. Às vezes, tem animal acidentado e a gente corre para o veterinário para ver o que se pode fazer. Tudo isso com o objetivo final da adoção, de tirar o animal aqui do campus para ele ter uma qualidade de vida melhor".

A Organização Mundial de Saúde aponta que 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães estão em situação de rua no Brasil (Foto: Eduardo Amorim/PorAqui)

A Organização Mundial de Saúde aponta que 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães estão em situação de rua no Brasil (Foto: Eduardo Amorim/PorAqui)

Além de crime, o abandono de animais em áreas como a do Campus do Pici também afeta o meio ambiente. O biólogo Gabriel Aguiar, mestrando em Ecologia pela UFC, explica como isso ocorre através do processo de defaunação, que consiste na eliminação das espécies animais que caracterizam uma região:

"Eles [os animais abandonados] vão ocupar cemitérios, parques, praças, unidades de conservação e vão aumentar sua população, já que não vão possuir predadores naturais e, muitas vezes, ocorre a alimentação indisciplinada desses animais. Quando você tem uma superpopulação como essa, rapidamente você tem o que a gente chama de defaunação. 100 gatos vão matar 500 animais silvestres por mês. Isso é muito mais do que caça, atropelamento ou envenenamento. É um impacto muito grande mesmo. Então você tem a área defaunada. A fauna que deveria estar ali vai desaparecer completamente, as populações vão ser extintas localmente. Aí você tem uma floresta fantasma: centenas de árvores sem nenhum animal habitando. Daí esses animais somem e desaparecem, também, os serviços ecossistêmicos deles. Ou seja, os animais que estariam polinizando, que iriam estar levando as sementes para nascer novas árvores, que estariam adubando o solo vão deixar de existir. Então essa floresta inteira está condenada ao colapso ambiental. Obviamente, os gatos, os cachorros, as cabras e outras espécies que causam esse impacto não têm culpa, isso é o instinto deles".

No dia 19 de agosto de 2019, o prefeito Roberto Cláudio assinou a ordem de serviço que autoriza a construção da primeira clínica veterinária pública de Fortaleza. O equipamento será coordenado pela Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) por meio da COEPA. Na ocasião, também foi anunciada a implantação de mais um VetMóvel.

Reportagem de Thays Maria Salles com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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