06/06/19

Personagens e temáticas LGBTs na literatura brasileira

Publicado em 1986, o livro Devassos no Paraíso foi pioneiro em traçar um histórico da vivência LGBT no Brasil (Imagem: Capa da 4ª edição de Devassos no Paraíso, Editora Objetiva; Reprodução/Metrópoles)

“Se existe a escuridão opressiva ao nosso redor, nossa função é brilhar. Exatamente como os vaga-lumes, que só brilham se houver escuridão e são tanto mais vaga-lumes quanto mais escuro estiver o entorno.” O trecho, escrito por João Silvério Trevisan, está presente em seu livro Devassos no Paraíso, publicado pela primeira vez no fim de 1980. A obra realiza um estudo sobre o histórico de vivência LGBT no Brasil e é considerada pioneira em abordar a temática na literatura brasileira.

Hoje, mais de 30 anos após a publicação do livro, cada vez mais obras literárias chegam às livrarias trazendo personagens e temas do universo LGBT. Vitor Martins escreve literatura infanto-juvenil sobre jovens LGBT “tentando encontrar seu lugar no mundo”. Autor dos livros Quinze dias e Um milhão de finais felizes, o escritor opina sobre essa maior inserção de temáticas LGBTs na literatura:

"Esse movimento, esse desejo por histórias diversas partiu muito dos leitores, partiu muito de escritores independentes também, que pavimentaram muito esse caminho para que histórias com diversidade pudessem chegar à grandes editoras e serem publicadas de maneira tradicional. Claro que isso não é uma coisa que começou agora, claro que literatura LGBT existe desde o século passado, e por muitas vezes ela foi mascarada de uma forma ou outra, mas do jeito que a gente tem hoje, extremamente escrachado, você colocar tipo um arco-íris na capa do seu livro e falar 'esse livro aqui é muito, muito, muito gay', isso é uma coisa que é relativamente recente e a gente percebe que as editoras têm dado esse espaço não como um favor à comunidade, mas como aliados mesmo".

Além de escritor, Vitor Martins também é ilustrador. Seu trabalho pode ser conferido no Instagram @vitormrtns (Imagem: Vitor Martins/Reprodução)

Além de escritor, Vitor Martins também é ilustrador. Seu trabalho pode ser conferido em seu perfil no Instagram (Imagem: Reprodução/Instagram)

João Silvério Trevisan, autor de Devassos no Paraíso, escritor, roteirista e coordenador de oficinas literárias, compara o cenário do Brasil de hoje com o de décadas passadas:

"É paradoxal constatar que se na década de 1970 ou 1980 nós não tínhamos uma série de, digamos, regalias em relação a informações da comunidade e para a comunidade, ao mesmo tempo nós não tínhamos uma bancada evangélica tão pesada, nós não tínhamos um presidente tão homofóbico e igualmente não tínhamos uma sociedade com um nível de consciência conservadora tão intenso".

Benedito Teixeira é jornalista, mestre e doutorando em literatura pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Em seu livro Entre o Pavor e o Prazer, ele discute a homoafetividade na infância a partir de textos da literatura brasileira, como Capitães da Areia, de Jorge Amado, e O Ateneu, de Raul Pompeia. Apesar de acreditar que hoje exista uma abertura maior para temáticas LGBTs na literatura, ele destaca que ainda existem espaços que essas produções não conseguem atingir:

"Apesar de ter crescido muito a literatura LGBT, e atualmente eu pesquiso a literatura infantil com essa temática, ela ainda não chega nas escolas. Ainda há uma barreira muito grande por conta do preconceito, da exigência dos pais, que têm medo que os filhos tomem contato com esse tipo de literatura".

Concordar ou não com o rótulo de uma literatura LGBT é um dos pontos de discussão entre os autores que integram a comunidade. Para Benedito Teixeira, a classificação pode ser considerada positiva:

"Mesmo que esse não seja o objetivo primeiro de um pesquisador ou de um escritor de ficção que escreva sobre a temática, essa militância, essa bandeira, acaba sendo sim uma forma de contribuir para as lutas do público LGBT. Eu acho que tem que haver sim essa classificação para delimitar, para marcar presença, para dizer que nós estamos ali, nós escrevemos sobre a temática, embora muitos escritores também escrevam sobre outros temas".

Em seu livro Entre o Pavor e o Prazer, Benedito Teixeira analisou a homoafetividade infantil na narrativa das obras O Ateneu e Capitães da areia, de Jorge Amado; Dona Sinhá e o filho padre, de Gilberto Freyre; e Limite branco, de Caio Fernando Abreu (Imagem: Editora Appris/Reprodução)

Em seu livro Entre o Pavor e o Prazer, Benedito Teixeira analisou a homoafetividade infantil na narrativa das obras O Ateneu, de Raul Pompeia; Capitães da Areia, de Jorge Amado; Dona Sinhá e o Filho Padre, de Gilberto Freyre; e Limite Branco, de Caio Fernando Abreu (Imagem: Reprodução/Editora Appris)

Já o autor João Silvério Trevisan acredita que a rotulação pode acabar restringindo o alcance dessas produções:

"Aquilo que antigamente nós pensávamos como sendo um avanço, a rotulação, atualmente a gente pensa que é uma maneira às vezes mal disfarçada de nos fazer entrar uma outra vez no armário. Nós nunca ouvimos falar em literatura heterossexual, em literatura branca, literatura masculina, de modo que rotular essas literaturas ou essas produções literárias e artísticas, escritas ou feitas por pessoas LGBTs é uma maneira de dizer que essas produções e essas obras, têm sentido exclusivamente para aquela parcela da população. Se nós temos uma perspectiva de escrever dentro de um foco LGBT, ou a partir de temáticas LGBTs, não significa que nós estejamos fazendo literaturas ou arte exclusivamente voltada para a comunidade LGBT."

Serviço
O autor Vitor Martins vem à Fortaleza e participa, no dia 15 de junho, do I Festival O Grito, festival de cultura LGBTQ+, na Livraria Cultura. Mais informações podem ser encontradas aqui.

Reportagem de Caroline Rocha com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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