05/12/18

O fantástico universo das Fanfics

A saga 50 Tons de Cinza, antes de virar livro e filme, era uma fanfic baseada em Crepúsculo (Reprodução/Internet)

Uma das séries de maior sucesso nos últimos anos foi The Walking Dead, que conta a história de sobreviventes de um apocalipse zumbi na Georgia, nos Estados Unidos. Mas você já imaginou essa história passada em Fortaleza? E casais improváveis como o apresentador Fausto Silva e a cantora estadunidense Selena Gomez? O nome dado para essas histórias escritas por fãs são fanfictions (ficção de fãs) ou, como são popularmente conhecidas, fanfics.

O surgimento das fanfics, ao contrário do que as pessoas pensam, veio antes da era digital. Alguns autores apontam as primeiras fanfics como sendo de obras da autora inglesa Jane Austen e dos livros de Sherlock Holmes. A popularização do gênero, porém, se concretizou com a saga Star Trek, nos anos 1970. As tramas feitas pelos fãs eram publicadas em fanzines impressos e distribuídas entre amigos.

Mas foi no meio digital que essas histórias alcançaram o auge. Após o lançamento do primeiro livro da saga Harry Potter, em 1997, as fanfics sobre o bruxo contabilizam, até hoje, 768 mil histórias no site FanFiction.net.  Quase o dobro do segundo lugar, o anime Naruto, que possui 414 mil fanfics.

A professora do Departamento de Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Larissa Cavalcanti fala que o meio digital permitiu a comunicação entre quem faz e quem lê fanfics. “Antigamente, os produtores de fanfics tinham que se comunicar e esperar muito tempo para receber um feedback. Os encontros de fanfics envolviam poucas pessoas por conta da locomoção e do custo. Online, não. Todo mundo pode se encontrar ali”, afirma.

Histórias (re)contadas

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O perfil de Mariana Sousa no spiritfanfiction.com possui 51 histórias e 522 seguidores (Foto: Internet)

A estudante de Serviço Social Mariana Sousa conheceu as fanfics em 2010, quando uma amiga indicou uma história para ela ler. “Na minha mente, até então, não era possível imaginar personagens já criados de filmes ou cantores em um universo alternativo ao nosso, e isso acabou me encantando bastante”, explica. Dois anos depois de conhecer as fanfics, ela decidiu postar os próprios contos em um site especializado, o spiritfanfiction.com. Hoje em dia, a sua conta possui 51 histórias, a maioria relacionada à banda de K-Pop EXO.

Marina Sousa conta que, antes das fanfics, não possuía o hábito de escrever, exceto nas redações da escola. “Depois das fanfics eu já melhorei bastante nesse aspecto, chegando até a ganhar um concurso no colégio. A prática me fez aprender muito sobre desenvolvimento e coesão no que escrevo”, relata.

Para a professora da UFRPE Larissa Cavalcanti, as fanfics podem ser muito importantes para a prática de escrita de jovens escritores. “Dentro da comunidade de fanfics, tem uma coisa muito legal que são os leitores beta, que são pessoas que leem os textos antes de serem publicados e têm também o feedback da própria comunidade”, explica.

Fanarts são obras de artes feitas por fãs baseadas em personagens de mídias visuais (Reprodução/Internet)

A foto acima é uma fanarts de Harry Potter. Fanarts são obras de artes feitas por fãs baseadas em personagens de mídias visuais  (Reprodução/Internet)

A estudante de fisioterapia da UFC, Caroline Silva, não escreve fanfics, mas é uma vasta leitora dessas histórias. As fanfics surgiram na sua vida através das fanarts, que são obras de artes feitas por fãs baseadas em personagens de mídias visuais. “Por volta de 2014, comecei a usar muito o Tumblr e a seguir algumas páginas dedicadas a fanarts, e muitas delas eram inspiradas em fanfics, geralmente com trechos da fanfic no post [publicação]. Um dia, resolvi ler na íntegra uma das fanfics que inspirou uma fanart incrível e a partir daí começou meu vício em ler fanfics”, lembra a estudante.

O gênero que ela mais gosta de ler são as fanfics do tipo universo alternativo. Para Caroline Silva, as fanfics estão mais em sintonia com o que os fãs gostam de ver nas histórias. “Os autores muitas vezes estão mais conectados com as demandas do seu público do que os roteiristas contratados de canais que, às vezes, claramente deixaram de investir em pesquisa de mercado”, opina.

Da tela do computador para as prateleiras

Seu primeiro livro, Mocassins e All Star era uma dessas histórias que postava na comunidade do Orkut por volta de 2008 e 2009 (Foto: Reprodução/Instagram)

O primeiro livro de Clara Savelli, Mocassins e All Star, veio de uma história publicada na extinta rede social Orkut (Foto: Reprodução/Instagram)

As fanfics, no geral, não pretendem obter retorno financeiro. Mas existem alguns casos que elas se tornam tão populares que chamam a atenção das editoras e viram livros. Talvez o caso mais emblemático sobre esta prática é o da escritora E.L. James, que criou uma fanfic da saga Crepúsculo. Para não infringir as leis autorais, foi mudado o nome dos personagens e a história passou a se chamar Cinquenta Tons de Cinza. Outro exemplo a ser citado é a fanfic After, da escritora Ann Todd, baseada na banda One Direction. Além de livros, ambas as histórias foram adaptadas para o cinema.

No Brasil, também existem exemplos de escritores que começaram fazendo fanfics e agora escrevem livros. Um desses exemplos é a advogada e escritora Clara Savelli. Com 16 anos, a carioca passou a publicar suas fanfics e histórias originais, mas com os clichês e estrutura das fanfics, na extinta rede social Orkut. Seu primeiro livro, Mocassins e All Star, era uma dessas histórias que postava em comunidades do Orkut entre 2008 e 2009.

A oportunidade de publicar o livro veio por acaso, quando a escritora se deparou com uma postagem em um blog literário sobre uma editora modelo da Universidade de São Paulo (USP) que estava procurando novos autores. Ela deixou um comentário com o link da história no Orkut. “Eu estava pensando mais em fazer uma propaganda do livro para o pessoal do blog do que de fato fazer a publicação, afinal, eu nem tinha terminado o livro, faltavam alguns capítulos”, explica. No dia seguinte, a editora entrou em contato demonstrando interesse em publicar o livro.

Hoje, ela continua divulgando suas histórias online, agora no Wattpad e Sweek, plataformas de publicação gratuita. Possui mais de 3 milhões de leituras online nessas plataformas. O reconhecimento vai além dos acessos. Clara Savelli possui três prêmios no The Whattys, promovido pela plataforma Wattpad, e um prêmio no Sweek. “Foi um reconhecimento do trabalho. Mas, eu faria independentemente disso, porque de fato é o que eu gosto de fazer, é algo que me move”, ressalta.

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