28/10/20

31 de outubro: o Saci quer doce e travessura

Fortaleza está entre as cidades brasileiras que instituíram o 31 de outubro como Dia do Saci (Foto: Reprodução/Internet)

31 de outubro. Essa data faz você lembrar de algo? Em Fortaleza, é comemorado o Dia do Saci. A data foi incluída no calendário oficial da cidade por meio de uma lei municipal de 2007. O intuito da iniciativa é festejar as figuras mitológicas da cultura nacional, promovendo e incentivando a leitura e a elaboração de obras comprometidas com os valores e as raízes nacionais.

A data alusiva ao personagem é proposital. Segundo justificativa do projeto de lei que instituiu o Dia do Saci, a cada ano mais crianças brasileiras eram atraídas pelo Dia das Bruxas, festa bastante popular nos Estados Unidos, e que também é comemorada em 31 de outubro. O Dia do Saci serviria para que as crianças lembrassem que o Brasil também tem seus mitos, contribuindo para a difusão da cultura popular e ressaltando o folclore e as lendas nacionais.

O historiador Câmara Cascudo, em sua obra Dicionário do Folclore Brasileiro, conta que os primeiros relatos sobre o Saci são do início do século 19. Naquele tempo, o mito já era difundido nas regiões sul e sudeste do Brasil. Lourdes Macena é doutora em Artes e docente do IFCE, Instituto Federal do Ceará. Coordenadora do grupo de pesquisa em Cultura Folclórica Aplicada, a professora Lourdes considera equivocada tanto a escolha da data, como o personagem homenageado pelo município de Fortaleza:

"O Saci passa a ser interpretado como mito nacional, que na verdade não é.... é importante que se diga que essa foi uma interpretação equivocada. Na verdade, o Saci passou a ser um mito conhecido através de Monteiro Lobato. Não só através da obra do Monteiro Lobato, mas através de como isso vai adaptado para a TV e chega nos lares brasileiros. Criar uma lei que vai valorizar o que a gente sempre tem valorizado, que é a cultura do outro… Eu acho que a gente tem que conhecer o Brasil, mas qual é a cara do Ceará no Brasil? A outra coisa que eu, particularmente, também acho ruim é fazer uma associação com o Dia das Bruxas, o Halloween, para legalizar uma tradição, um elemento de pertencimento de um país opressor, como é o caso dos Estados Unidos".

O mito do Saci-Pererê teria surgido em tribos indígenas, como os da etnia Guarani, no sul do Brasil. A figura, primeiramente indígena, passou por alterações no imaginário nacional, recebendo influência africana, europeia e indígena. (Foto: Reprodução/Internet)

O mito do Saci-Pererê teria surgido em tribos indígenas, como os da etnia Guarani, no sul do Brasil. A figura, primeiramente indígena, passou por alterações no imaginário nacional, recebendo influência africana, europeia e indígena (Foto: Reprodução/Internet)

Monteiro Lobato era colaborador do jornal O Estado de São Paulo. Em 1917, o escritor fez uma campanha pedindo que os leitores do jornal enviassem cartas para a redação com relatos sobre o Saci-Pererê. Vários relatos chegaram ao jornal sobre aquela figura de gorro vermelho. Monteiro Lobato, então, produziu um livro com a compilação daquelas cartas chamado O Saci-Pererê: O Resultado de um Inquérito, publicado em 1918.

Em 1921, Monteiro Lobato publicou seu primeiro livro infantil, O Saci. O personagem ganhou popularidade no Brasil, já que o livro passou a fazer parte da série Sítio do Picapau Amarelo, adaptada anos depois para televisão por algumas emissoras. Emmanuel Furtado Filho pesquisa sobre literatura brasileira e tradições culturais cearenses. Professor de Direito na Universidade Federal do Ceará, Emmanuel classifica como válida a existência de um dia alusivo ao Saci na cidade de Fortaleza: 

"O Saci é uma entidade, ora tida como maléfica, ora tida como zombeteira. Um ser encantado, ágil e astuto, com poderes mágicos. Um negro com uma perna só. Com uma carapuça vermelha na cabeça, um cachimbo na mão, que gosta de fazer travessuras, de pregar peças, assustar viajantes. Acredita-se que ele tenha realmente surgido no sul do Brasil, especialmente, mas ele está presente na cultura popular do sul ao norte. Eu acho muito louvável essa iniciativa de instituir o dia do Saci-Pererê como sendo o dia 31 de outubro, aqui em Fortaleza. Eu acho que nós não devemos esquecer da nossa cultura. Nada impede que nós dialoguemos com o Halloween das culturas dos países do norte, mas devemos lembrar do nosso saci".

O saci concorreu para ser mascote da Copa do Mundo de Futebol, realizada no Brasil, em 2014. No entanto, perdeu para o tatu-bola. Seu lugar de destaque no futebol é como mascote do Internacional, time gaúcho da série A do Campeonato Brasileiro. (Foto: Reprodução/Pinterest)

O saci é o mascote do Internacional, time gaúcho da série A do Campeonato Brasileiro (Foto: Reprodução/Pinterest)

O cearense Flávio Paiva é jornalista e escritor de diversas obras literárias voltadas para o público adulto e infantil. Dentre suas obras para as crianças, duas delas têm como protagonista o Saci-Pererê.

A relação de Flávio com o personagem vai além dos livros. O jornalista relata sobre as sacizadas, ou simplesmente festas do Saci, onde as crianças se divertem:

"Tenho me empenhado em contribuir para que mais e mais festas do saci aconteçam. Quando meus filhos eram pequenos, fizemos vários experimentos de sacizadas na nossa casa, e participamos de outras tantas. O sentido da festa do saci é a popularização, e não a massificação. Nessas festas a criança sente a presença do saci, brinca com ele, vira saci. Isso pode ser qualquer dia. A escolha da data de 31 de outubro é uma escolha política, mas o saci está também no carnaval, na semana do meio ambiente, nas comemorações da consciência negra, no dia do imigrante, na semana da criança, no revéillon, na própria semana do folclore e em outras tantas e tantas datas e manifestações da nossa vida social".

Aqui no Ceará, além de Fortaleza, a cidade de Independência também instituiu o 31 de outubro como Dia do Saci. Outra capital brasileira que homenageia o personagem nesse dia é Vitória, no Espírito Santo. 

O Dia do Saci também é comemorado em todo o estado de São Paulo desde 2004. É lá que fica a cidade de São Luiz do Paraitinga, sede da Sociedade de Observadores do Saci, que visa valorizar e difundir a cultura e as lendas brasileiras.

Reportagem de Gustavo Castello com orientação de Raquel Dantas e Carolina Areal.

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