23/11/17

Representatividade negra e crítica social através da arte

Atualmente, o Nóis de Teatro prepara um novo espetáculo, intitulado Cidade: Substantivo Feminino. Na foto, cena do espetáculo Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro (Foto: Luiz Alves)

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015, através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), relatam que o número de negros no país constitui 54% do número de habitantes. Apesar da maioria, a população negra brasileira ainda protagoniza estatísticas preocupantes em contadores econômicos e sociais.

O Atlas da Violência 2017, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aponta que a cada 100 pessoas vítimas de homicídios, 71 são negras e do sexo masculino. Na mesma linha, a mortalidade de mulheres negras subiu 22% entre 2005 e 2015, em contrapartida à mortalidade de não-negras (brancas, amarelas e indígenas), que caiu 7,4%. Da perspectiva econômica, negros ocupam 75% do número de pessoas entre os 10% mais pobres da população.

Em diversas esferas, características remanescentes de séculos de escravatura e marginalização dessa parcela da população ainda se revelam nas entrelinhas de um preconceito velado. Episódios recentes, como a declaração do jornalista William Waack em pleno mês em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, mostram o quanto é necessária a desconstrução desse preconceito. No episódio, Waack teria atribuído o som de buzinas durante uma cobertura ao vivo à "coisa de preto" e, após a repercussão, declarou não se lembrar do que havia dito.

Arte para desconstruir e ressignificar

O cantor e compositor Zéis propõe, através de seu trabalho, uma ressignificação dos aspectos negativos associados à cor negra (Foto: Emanuel Silva)

O músico Zéis propõe, através de seu trabalho, uma ressignificação dos aspectos negativos associados à cor negra (Foto: Emanuel Silva)

Um dos mecanismos encontrados para trabalhar essa desconstrução do preconceito é a arte. Através dela, artistas encontram uma forma de reforçar a representatividade negra e de colocar o assunto em pauta. Zéis, cantor, compositor e ator cearense, propõe através de seu trabalho, uma ressignificação dos aspectos ruins normalmente associados à cor negra. Em De Preto em Blue, faixa título de seu primeiro disco, o músico faz esse convite. "Falando do meu trabalho, eu busco através dele deixar viva essa discussão", complementa Zéis que também destaca o fato do Dia da Consciência Negra ser muito mais que uma data de comemoração, mas também uma conquista.

Lorena Nunes figura entre as artistas que integram a nova geração das cantoras cearenses (Foto: Tiago Lopes)

Lorena Nunes figura entre as artistas que integram a nova geração das cantoras cearenses (Foto: Tiago Lopes)

Lorena Nunes, cantora cearense, vê na arte uma forma de manifestação política. "A arte é uma expressão", e pontua que, no caso da música, essa expressão consegue alcançar o público de maneira mais fácil. Todavia, a cantora acrescenta que essa representatividade pode se manifestar de outras formas, como o fato de ser negra e, assim, se reconhecer e se identificar. "Para mim, a minha forma de militância é existir, eu manifesto isso de forma cotidiana", explica.

A existência e, porque não dizer, resistência, também se apresenta em outros setores da arte, como no Maracatu, manifestação tradicional que celebra a cultura negra. "A existência do Maracatu já afirma essa cultura, através de vários elementos que colaboram para essa afirmação, como os próprios personagens, além da musicalidade que reverencia os orixás", explica Pingo de Fortaleza, presidente do Maracatu Solar.

Um mecanismo de crítica social

Entre ressignificações e celebrações da cultura negra, também existem abordagens que retomam o caráter crítico e questionador da arte, como é o caso da peça Todo Camburão tem um pouco de Navio Negreiro, do grupo Nóis de Teatro. "A ideia dos espetáculos é colocar o público no meio, gerar conflito. Fazer com que quem consuma isso saia de sua base e coloque-se em dúvida sobre essas temáticas", afirma Henrique Gonzaga, integrante do grupo. O Nóis de Teatro tem bases na periferia da capital cearense e coloca em pauta questões que cruzam a vivência dos próprios atores. A montagem narra a saga de um jovem negro que nasce numa situação comum a de muitos brasileiros: inserido num sistema de opressão e violência, aos 18 anos, ele resolve entrar para polícia militar.

Através do ativismo, o grupo propõe uma forma acessível de fazer política (Foto: Reprodução/Facebook)

O grupo Tambores de Safo propõe uma forma acessível de fazer política (Foto: Reprodução/Facebook)

Tambores de Safo, grupo de música percussiva feminista, antirracista e antilesbofóbica, também tem na arte esse mecanismo de crítica social. Através de seu repertório, o grupo destaca questões como a ancestralidade e a cultura negra. Não somente isso, mas, através de suas letras e poesias, denunciam diversas formas de violência e racismo. As representantes do grupo destacam que esses debates são promovidos em vários espaços e de diversas formas, como cortejos e manifestações em espaços culturais, terreiros, saraus, escolas e universidades. "Nós trazemos à roda as questões que vivenciamos como mulheres, negras, lésbicas, e ativistas através da percussão, das canções. Achamos que a arte é a porta de entrada para dizer muitas coisas", destacam as integrantes do grupo Tambores de Safo.

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