02/07/19

Práticas criminosas na Internet e a legislação brasileira

Segundo estimativa do relatório da empresa de segurança digital McAfee, as perdas das empresas brasileiras com crimes virtuais são de 32,4 bilhões de reais por ano (Foto: Reprodução/Internet)

Na primeira parte do especial sobre Internet e redes sociais, abordamos  os impactos do uso excessivo da rede no comportamento e saúde dos usuários. Nesta segunda e última parte, discutiremos os crimes cometidos no ambiente virtual e a falta de legislação brasileira sobre o assunto.

De acordo com último relatório realizado, em 2017, pela empresa Norton Cyber Security, cerca de 62 milhões de pessoas foram afetadas no território brasileiro por práticas criminosas na web. No país, não há legislação exclusiva para cibercrimes. O professor Daniel Maia ensina Direito Constitucional na Universidade Federal do Ceará (UFC) e explica como a lei brasileira funciona nesses casos: 

"A legislação brasileira é um pouco atrasada em relação a isso, tendo poucos tipos penais específicos sobre Internet. As pessoas tem chamado, por exemplo, de cibercrimes, de crimes cibernéticos um estelionato, vazamento de foto quando feito pela Internet. Falta uma legislação específica para disciplinar as outras condutas. Na verdade, não precisava fazer um crime específico, bastava fazer uma alteração no código penal aumentando as penas de modo geral para quando os crimes fossem cometidos pela Internet. Por que esse aumento geral? Porque dificulta muito a investigação os crimes cometidos pela Internet; dificulta você conseguir fazer a prova da autoria do crime; se espalha com muito mais velocidade e proporção; por isso merece uma pena mais alta".

No entanto, casos de grande repercussão ganharam algumas medidas. A Lei n° 12.737, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares. Essa norma foi aprovada em 2012, após a atriz ter o celular invadido e suas fotos íntimas serem alvos de extorsão para publicação na internet.

Lola Aronovich autora do blog Escreva Lola Escreva e protagonista da Lei nº 13.642/2018 (Foto: Reprodução/Internet)

Lola Aronovich: autora do blog Escreva Lola Escreva e protagonista da Lei nº 13.642/2018 (Foto: Reprodução/Internet)

Outra lei que teve uma mulher como protagonista e vítima de ações criminosas foi a Lei Lola, sancionada ano passado pelo então presidente Michel Temer. A Lei que ganhou o nome da blogueira feminista altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para atribuir à Polícia Federal a investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres. Lola Aronovich, que também é professora de línguas estrangeiras da UFC, foi vítima de ataques discriminatórios na Internet, dentre eles a misoginia. A professora comenta sobre as ameaças que recebia de blogs conhecidos como masculinistas, nos quais homens propagam discurso ofensivo às mulheres:

"Para algumas ameaças mais graves eu fazia Boletim de Ocorrência (BO). Cheguei a fazer 11 BOs. É horrível falar isso, mas a gente se acostuma. No começo, principalmente quando vem ameaças ao meu marido, à minha mãe também que mora com a gente, essas ameaças são mais terríveis, doem mais do que as ameaças para você. Mas depois você nota também que não vai acontecer. Quer dizer, que provavelmente não vai acontecer. Então você tenta não mudar nada na sua vida por causa desses psicopatas. Realmente foi muito ruim. E silêncio total da polícia, que estava recebendo muitas denúncias também. Até que finalmente, isso foi em março de 2012, teve uma operação da Polícia Federal que prendeu os dois principais autores do blog".

Para Rafael Rodrigues, doutor em Linguística pela UFC e pesquisador de redes sociotécnicas e práticas discursivas, alguns fatores como impunidade e identificação podem explicar o porquê dessas práticas serem recorrentes na Internet:

"A ideia de que há um certo escudo de anonimato, de invisibilidade e de impunidade também pode estar contribuindo para uma maior exacerbação, uma manifestação mais hiperbólica, mais exagerada ou mesmo uma manifestação em acordo com que certas pessoas pensam. Por essa ideia de que a as práticas que os indivíduos engendram nas redes estariam livres de uma fiscalização, livres de uma patrulha. Outro fenômeno é o fato de que as mensagens encontram seus públicos na web. As mensagens encontram seus nichos, encontram seus partidários, encontram seus apoiadores"

No Ceará, estava prevista para 2017 a implantação de uma delegacia especializada em crimes cibernéticos, mas isso ainda não aconteceu. Por essa razão, deve-se recorrer à delegacias comuns de acordo com a natureza do crime. Entramos em contato com a Célula de Inteligência Cibernética do Departamento de Inteligência Policial (DIP) para sabermos mais informações sobre a entidade, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos resposta. 

Reportagem de Thays Maria Salles com orientação de Caroline Areal e Igor Vieira

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