10/04/19

Pesquisa mostra como Fortaleza consome cultura

Fortaleza é a cidade que mais frequenta o circo no país, seguida por Brasília (Foto: Lívia Soares)

A pesquisa Cultura nas Capitais analisou os hábitos de consumo cultural da população nas doze capitais mais populosas do Brasil. O estudo, divulgado em 2018, foi realizado pela J. Leiva Cultura e Esporte, com dados colhidos pelo Instituto Datafolha. Ao todo, 10.630 pessoas com idade a partir de doze anos e pertencentes a todas as classes sociais foram entrevistadas no país. Em Fortaleza, 613 pessoas participaram da pesquisa.

O resultado mostra que os livros são a atividade cultural preferida dos fortalezenses, seguidos por cinema, jogos, shows e festas populares. A capital cearense é a que mais frequenta o circo no país. 24% dos entrevistados afirmaram ter ido a pelo menos uma apresentação circense nos doze meses que antecederam a pesquisa.

Para Gabriela Jardim, artista circense, gestora e professora da Escola Quintal Aéreo, o resultado da pesquisa contraria a ideia de que a arte de circo estaria perdendo espaço e desaparecendo:

"Essa consideração de que o circo morreu é uma coisa bem comum de se ouvir, mas a minha concepção de artista circense, na cidade de Fortaleza, é perceber como o circo se amplia, como ele se modifica. Como qualquer arte, ele está vivo e vai se modificando. Então, ao meu ver, o circo hoje, e já tem algum tempo, não está mais recluso à lona de circo. O circo ganha um espaço e se expande para além da lona, ele vai para os galpões, ele entra como atividade em academia, abrem-se editais para circo, o circo vai para dentro do teatro, ganha incentivos de uma forma diferente. Então o olhar para o circo é diferente", destaca.

Livros são a atividade cultura preferida dos fortalezenses (Foto: Diário do Nordeste/Reprodução)

Livros são a atividade cultural preferida dos fortalezenses (Foto: Diário do Nordeste/Reprodução)

Fortaleza também aparece na pesquisa como a capital que mais consome apenas atividades culturais gratuitas. Segundo Irapuan Peixoto, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec), esse fato se deve tanto a uma questão de renda quando a um fator cultural:

"Existe, claro, um componente econômico que é importante, e nós temos uma população pobre muito grande; a desigualdade social em Fortaleza é abissal, e claro que isso impacta no consumo dos bens culturais e faz com que Fortaleza então tenha certa predileção por programações gratuitas. Mas isso envolve uma questão cultural também, que perpassa um não incentivo à cultura, ao consumo da cultura, e a ausência de equipamentos e de estratégias tanto públicas quanto privadas para incentivar a população a consumir determinados tipos de produto cultural".

Com exceção do circo e da dança, todas as atividades culturais em Fortaleza apresentam média de frequência inferior a das demais capitais pesquisadas. De acordo com o professor Irapuan Peixoto, essa baixa frequência também tem relação com a oferta ainda limitada e restrita de atividades culturais na capital cearense:

"Isso ainda é muito limitado. E a oferta desse tipo de programação ainda é muito concentrada em algumas regiões da cidade. Então se você mora naquele quadrilátero ao redor da Aldeota, que é a região mais rica da cidade, você tem a sua disposição toda uma série de programações culturais gratuitas ou de baixo custo que podem ser consumidas com uma frequência considerável. Essa oferta não se repete quando você vai para as periferias da cidade", ressalta o pesquisador. 

A artista e professora Gabriela Jardim é gestora da Escola Quintal Aéreo, uma das iniciativas que contribui para a disseminação da arte circense em Fortaleza (Foto: Marieta Rios)

A artista e professora Gabriela Jardim é gestora da Escola Quintal Aéreo, uma das iniciativas que contribui para a disseminação da arte circense em Fortaleza (Foto: Marieta Rios)

Segundo a artista Gabriela Jardim, o circo aparece como uma alternativa para levar arte e lazer a todos os públicos, inclusive os de menor renda, que normalmente não possuem muitas opções de lazer e cultura:

"Tem circos de periferia que são muito baratos, que é dois, três reais uma entrada. O circo tem esse lugar, de novo, do fascínio que em muitos interiores ou periferias é algo que chega e atravessa o cotidiano das pessoas que vivem ali, que muitas vezes vivem uma vida mais dura mesmo, de ter muita correria, de ter que ir e voltar para o trabalho, e aí quando aparece uma atividade, eu acredito, acessível, e com todo esse histórico do fascínio, de ser uma arte que atravessa o cotidiano, uma arte que é itinerante, como o circo de lona, então é um efeito. Quando ele [o circo] chega num lugar, quando ele chega num bairro, a gente sabe que ele é passageiro".

Para que as atividades culturais possam chegar aos mais variados públicos de Fortaleza, é necessária uma mudança estrutural em sua distribuição pela cidade, que leve também em consideração a mobilidade urbana, como pontua o professor Irapaun Peixoto:

"Não adianta só ter programação cultural gratuita. Ela tem que estar distribuída na cidade, senão a população não vai. Para a gente ver uma mudança nesse quadro, precisaria Fortaleza realmente oferecer de uma maneira mais sistemática e, principalmente, mais geograficamente distribuída, esse tipo de programação para que realmente a população pudesse consumir esse tipo de bem".

A pesquisa Cultura nas Capitais está disponível na internet e pode ser acessada aqui.

Caroline Rocha, com orientação de Thaís Aragão e Igor Vieira

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