31/10/18

Os desafios no combate à violência nas escolas

A violência nas escolas é um problema que atinge professores e alunos (Foto: Reprodução/Internet)

A violência nas escolas é realidade na vida de vários alunos e professores no Brasil. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupa a liderança no ranking de violência nas escolas. Dos professores ouvidos no Brasil, 12,5% disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. Publicada em 2013, a pesquisa é a mais recente com dados globais.

A estudante de pedagogia Luana* foi uma dessas vítimas. Ela trabalhava como auxiliar de professor em uma escola particular de um bairro nobre de Fortaleza quando foi vítima de agressões por parte de um aluno. Segundo Luana, o estudante era constantemente agressivo com os colegas, com outros professores e até com a coordenadora pedagógica.“Começou com chutes e beliscões, depois evoluiu para murros e tapas, até chegar ao auge que foi uma torcida no seio e um soco nas costelas. Não aguentava mais e pedi demissão”, relata.

Levantamento realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em parceria com o Ministério da Educação e a Organização dos Estados Interamericanos (OEI), constatou que a violência verbal e física atingiu 42% dos alunos brasileiros da rede pública em 2015. A pesquisa ouviu 6.709 estudantes, de 12 a 29 anos, em sete capitais: Maceió, Fortaleza, Vitória, Salvador, São Luís, Belém e Belo Horizonte.

O estudante de publicidade Ramonis Nascimento relembra que durante os seus anos escolares a violência era algo que atingia a todos, porém, a violência entre garotas e a homofobia, eram mais frequentes. "A luta por espaço na escola pra diversidade, na época o significado não tinha tanta força, era algo surreal, então, conviver com as agressões psicológicas era preciso, mas a resistência era nossa força", conta.

(Foto: Senado/Mary Leal)

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015, relatou que 14,8% dos estudantes do 9°ano afirmam não se sentirem seguros no caminho de casa para a escola ou da escola para casa (Foto: Senado/Mary Leal)

Violência de fora para dentro da escola

Em 2016, pela primeira vez na história, o Brasil superou a taxa de 60 mil homicídios em um ano. De acordo com o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Ceará é o quarto estado com maior índice de homicídios.

O mestre em psicologia e pesquisador do Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação da UFC (VIESES), Luis Fernando Benício, acredita que a escola e a sociedade devem ser lidas juntas e não separadas. “Se cotidianamente nas ruas, nas casas, nas praças, essas violências perpassam as práticas, consequentemente, podemos encontrá-las nas escolas também. Talvez, pensar motivos para sua repercussão e intensificação nas escolas, exige-nos pensar nos motivos para sua repercussão/intensificação na sociedade”, afirma.

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relatou que 14,8% dos estudantes do nono ano afirmam ter deixado de ir à escola, pelo menos um dia, nos 30 dias anteriores à pesquisa, por não se sentirem seguros no caminho de casa para a escola ou da escola para casa.

O pesquisador do VIESES, Luis Fernando Benício, relata que, durante sua pesquisa sobre a violência armada no cotidiano de alguns bairros da cidade de Fortaleza, chamou a sua atenção o aumento acentuado da violência armada no cotidiano escolar. “Um grupo armado decretou a suspensão das aulas, ameaçando os trabalhadores da escola, familiares e alunos. Em outra caso, segundo uma diretora de escola estadual, sua escola estaria sendo supervisionada por um grupo armado”, conta.

Para a técnica da célula de mediação social Maria Joelma Gomes, os impactos da violência no Brasil tornam o processo de ensino/aprendizagem uma atividade com resultados frágeis, o que pode causar a evasão escolar e a diminuição do desejo de exercer o ofício de professor. “Os impactos se evidenciam diretamente nas relações interpessoais, provocando desgastes emocionais e rompimento de vínculos, gerando um ambiente “pesado”, com relacionamentos opressivos, carregados de medo, com posturas acusadoras e/ou defensivas”, fala.

(Foto: Prefeitura de Fortaleza)

“Não existe receita de bolo, dentro do que trabalhamos, mas inspirações éticas para ampliar o compromisso e a responsabilidade com a temática da violência”, explica o pesquisador Luis Fernando Benício (Foto: Prefeitura de Fortaleza)

Formas de combater a violência escolar

Está em tramitação o projeto de lei PLS 469/2015 que agrava a pena para crimes praticados dentro ou nas imediações de escolas. Além deste, também está em tramitação o PLS 251/2014, que cria o Programa de Prevenção da Violência na Rede Educacional Brasileira, e o PLS 438/2012, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para dispor sobre a prevenção da violência nos estabelecimentos de ensino. Mas, para especialistas e educadores, ainda não é o suficiente.

Para a estudante de pedagogia Luana*, a escola e a família devem andar juntas para diminuir casos de violência. “Claro que meu caso é especial, afinal era uma escola particular localizada em bairro nobre, então não era questão de criminalidade, de família mal estruturada, era caso de negligência mesmo, tanto da escola que não pensava no meu bem-estar, quanto dos pais que deixavam a criança fazer o que bem queria”, conta.

A técnica da célula de mediação social Maria Joelma Gomes aponta que a única alternativa para mudar essa situação é trabalhar a educação para a paz. Ela explica que é preciso cultivar relações mais solidárias e empáticas nas escolas, envolvendo os alunos, as famílias e os profissionais, além de um currículo que desenvolva as habilidades socioemocionais dos alunos. “Além da Mediação de Conflitos, a realização sistemática dos Círculos de Construção de Paz e dos Círculos Restaurativos, embasados nos princípios e valores da Justiça Restaurativa e a prática constante da Meditação são ferramentas poderosas para amenizar os prejuízos provocados pela violência no ambiente escolar”, complementa.

O pesquisador do VIESES Luis Fernando Benício diz que é preciso pensar em respostas mais situadas e contextualizadas com as realidades que compõem as escolas. “Não existe receita de bolo, dentro do que trabalhamos, mas inspirações éticas para ampliar o compromisso e a responsabilidade com a temática da violência”, explica.

*Luana é um nome fictício

Reportagem de Mariane Oliveira com orientação de Carolina Areal.

Tags:, , , ,

Deixe uma resposta

*