31/08/17

Entre sorrisos e tradições

Após quase 60 anos de vida circense, José de Abreu Brasil (Palhaço Pimenta) ganhou a outorga de Tesouro Vivo da Cultura (Foto: Jarbas Oliveira)

Brincadeiras e sorrisos em meio à grandes dificuldades. Assim é a vida da maioria dos mestres e mestras do Ceará. Intitulados como Tesouros Vivos da Cultura, estes homens e mulheres colorem as veredas do sertão e as montanhas das serras com tradições que, a décadas, passam de pai para filho. É pensando nisso que a Fundação Walter Câmara lança nesta quinta-feira (31) o Livro dos Mestres – O Legado dos Mestres: Cultura e Tradição Popular no Ceará.

Esta publicação reúne perfis ilustrados de todos os 79 mestres da cultura e foi organizado pela jornalista Dora Freitas e pela historiadora Silvia Furtado. As autoras, junto do fotógrafo Jarbas Oliveira, visitaram 36 cidades do Ceará para produzir esta obra. Com o intuito de entender um pouco sobre estas memórias vivas do nosso estado, a Rádio Universitária FM conversou com a Mestra Zulene Galdino e com o Mestre Palhaço Pimenta que fazem parte do seleto grupo de mestres e mestras cearenses.

Mestra Zulene Galdino

(Foto: Jarbas Oliveira)

(Foto: Jarbas Oliveira)

Desde a infância no pé da serra do Araripe, "Zu", como é conhecida pelos íntimos, já dançava nas quadrilhas juninas organizadas por seu pai. No fundo de sua casa, em um quintal de terra batida, a mestra também aprendia o Manero Pau e recriava o nascimento de Jesus nas tradicionais Lapinhas. Aos poucos, a jovem foi aprendendo com a família as ancestralidades de sua terra.

Após passar a infância na serra do Araripe, Zulene se mudou para o Crato. Foi neste município do interior cearense que a mestra fez história na cultura popular.  Zulene criou a Cintura Fina, um grupo de dança inspirado em Luiz Gonzaga e viu, com o passar do tempo, suas brincadeiras ganharem vida e mais adeptos.

Depois de décadas de trabalho com tradições populares, foi em 2006 que esta cearense ganhou o título de Tesouro Vivo da Cultura. A outorga estadual e o auxílio vitalício de um salário mínimo por mês foram recebidos com festa, "minha vida ficou mais fácil, eu vivia antigamente trabalhando na roça, quebrando coco babaçu e graças a Deus hoje em dia eu estou muito feliz em ser mestre da cultura do Ceará", afirma.

Zulene Galdino tem a cara do Ceará: forte, graciosa e sábia.  Já era mestra muito antes do título estadual e é a própria memória viva de nossos ancestrais. "A gente é simples, é da cultura, é matuto e gosta da poeira, porque eu nasci na poeira e vou morrer na poeira", completa mostrando a coletividade do seu ser.

Mestre Palhaço Pimenta

(Foto: Jarbas de Oliveira)

(Foto: Jarbas de Oliveira)

Um menino de 5 anos abandonado na porta de uma casa desconhecida. Assim começa a história de José de Abreu Brasil, ou, como é mais conhecido, Mestre Palhaço Pimenta. Sem família e crescendo no meio do mundo, esta criança superou todas as expectativas de uma vida desgraçada e se tornou o primeiro mestre circense intitulado Tesouro Vivo da Cultura pelo Governo do Estado.

José de Abreu ainda morou alguns anos com uma família adotiva da qual herdou o sobrenome Brasil. Porém, logo fugiu desta casa e foi viver nas ruas, sozinho. Aos 15 anos de idade, enquanto trabalhava como entregador de leite, José foi surpreendido por uma imagem incomum em seu cotidiano. "Aquela coisa bonita assim, aquela sombrinha, sombrinha maior do que as outras",  narra o mestre Palhaço Pimenta sobre o seu primeiro contato com as imensas lonas coloridas do circo.

Resolveu ir ver o que era aquilo e se impressionou. "Me apaixonei pelo circo na primeira vista", lembra o mestre. Depois de ir a primeira noite, foi a segunda, a terceira, até a última. Quando viu que o circo estava de partida teve a certeza: "eu vou embora daqui". Pediu um trabalho para Dona Zoalinde, a proprietária do circo. Naquele mesmo dia já estava de viagem com o novo emprego. Ficou perambulando pelos bairros de Fortaleza, aprendeu a ser trapezista, vigiou as cadeiras da arquibancada e até fez ponta de teatro, mas foi como palhaço que José encontrou sua vocação.

Escolheu Pimenta como o nome artístico e pronto, acabava de surgir um dos palhaços mais famosos do Ceará. Entre anos de idas e vindas por vários picadeiros diferentes, acabou montando seu próprio circo itinerante e, em 2013, após quase 60 anos
de vida circense, José de Abreu ganhou a outorga de Tesouro Vivo da Cultura. "Foi muita alegria, se eu sofresse do coração tinha era pifado", comenta o mestre sobre quando recebeu a notícia do título.

Durante seus anos de trabalho, o Palhaço Pimenta viu as mudanças que o tempo trouxe ao circo. As descobertas tecnológicas transformaram as risadas do público."Agora difícil do palhaço agradar, hoje tem muito humor na televisão, as coisas tão tudo moderna", ressalta o mestre que viu uma boa parte da população se desinteressar pelo picadeiro. Apesar das dificuldades, José coloca a roupa colorida, pinta o rosto, se transforma em Pimenta e branda: "ainda agrado muito no picadeiro, trabalho no circo, trabalho de palhaço, armo e desarmo o circo e assim vou levando a vida até morrer".

Tags:, , , , , , , , , , , ,

Deixe uma resposta

*